COP27: Agenda climática transversal e olhar sobre perdas e danos da população mais vulnerável devem ser prioridades do Brasil

Após uma sequência de retrocessos nas áreas de energia e ambiental, país precisa estabelecer uma agenda climática transdisciplinar com objetivos prioritários

Falas de representantes de povos indígenas foram o destaque do amplo debate “Perdas e Danos, Gênero e Impactos Territoriais”, realizado no Brazil Climate Action Hub, hoje (dia 11), na COP27. A discussão contou com dois painéis: o primeiro sobre saberes, aprendizados e estratégias das comunidades locais e o segundo referente a gênero, perdas e danos e seus impactos sociais. Deste, Ricardo Baitelo, gerente de projetos do IEMA e representante da Coalizão Energia Limpa – transição justa e livre do gás, participou a convite de Uma Gota no Oceano abordando as questões de impactos às populações locais com relação ao setor de energia como instalação de termelétricas e emprego do gás. Marina Silva, deputada federal eleita (Rede-SP); Cacique Zé Bajaga Apurinã da aldeia Idecora, Terra Indígena Caititu, no município de Lábrea, Amazonas; e, Toya Manchineri, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e coordenador de Área de Território e Recursos Naturais da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA) também participaram da conversa. Está disponível em: https://www.brazilclimatehub.org/agenda/perdas-e-danos-genero-e-impactos-territoriais-v/ 

No segundo painel, os participantes ressaltaram a sequência de retrocessos nas áreas de energia e ambiental do governo brasileiro nos últimos quatro anos e chamaram a atenção para a necessidade de uma agenda climática que seja mais efetiva, além de desenvolver um olhar mais diferenciado sobre as perdas e danos das populações mais vulneráveis. 

“Esta COP possui esse caráter de implementação de questões que já foram decididas e que precisam ganhar a efetividade necessária para reduzirmos as emissões e estabilizar a temperatura da Terra, que já está comprometida com a meta de 1,5˚Cº. Segundo dados recentes, não iremos reduzir em 53% as emissões de GEE até 2030, mas aumentaremos em 12%, o que é muito grave. E a gravidade dessa situação vai recair, especificamente, sobre uma parte da população do nosso planeta. O que entra é justamente neste debate sobre perdas e danos”, disse Marina Silva, em sua fala inicial. 

A deputada federal eleita ainda afirmou que o mundo tem que descobrir uma nova forma de caminhar para o atendimento de populações e povos inteiramente vulneráveis. Ela citou o caso da África, com povos inteiros sem água correndo o risco de extinção, chamando a atenção para a situação dos povos indígenas, “que não contribuíram absolutamente em nada para as consequências que estamos sofrendo hoje e ainda sim são os mais prejudicados”. 

Marina Silva também frisou que o desenvolvimento do conceito de perdas e danos é fundamental.  Mas, para que isso aconteça, será necessário que o mundo tenha um olhar diferenciado em relação aos recursos do fundo para a transição climática em relação aos países em desenvolvimento e de renda baixa. “Com certeza, o presidente Lula, que vai chegar aqui na COP em alguns dias, vai fazer muitas sinalizações nesse sentido. E essa será uma agenda que estará muito forte nas prioridades do Brasil, quando ele reassumir a presidência. O compromisso é de que a política ambiental será transversal, de que a política climática brasileira estará no mais alto nível de prioridade no seu governo.  O compromisso do Brasil com o desmatamento zero”, finalizou a deputada federal eleita. 

Para o Cacique Zé Bajaga Apurinã, se faz necessário fortalecer o processo de enfrentamento das mudanças climáticas em territórios indígenas na Floresta Amazônica, assim como garantir a proteção dos territórios e a preservação do meio ambiente. “Nós, indígenas, cuidamos e preservamos as florestas, contribuindo com a gestão dos recursos naturais e garantindo a diversidade, além da produção de chuvas para o restante do país e do planeta. Infelizmente, dinheiro nenhum paga as nossas perdas, que vêm destruindo as nossas terras, nossos recursos e o nosso povo”, lamentou. 

Em sua participação, Toya Manchineri enfatizou que é fundamental que o país volte “para os trilhos normais”. O que representa respeitar a vida, principalmente a das minorias, com o fim das violações dos direitos dos povos indígenas e o retorno de políticas públicas que defendam as florestas. “Hoje, nós temos essa esperança de novo”, comemorou. 

Sequência de crises no setor energético brasileiro

Em sua apresentação, Ricardo Baitelo evidenciou aspectos importantes da sequência de crises no setor energético do país – destacando que se trata de um problema, acima de tudo, de gestão de recursos naturais. Além da crise hídrica do ano passado, ele falou sobre as graves consequências causadas pelas mudanças climáticas no Brasil, como a redução da capacidade da Floresta Amazônica estocar carbono ou de contribuir para o fluxo de umidade. Também sobre as quebras de safras com perdas sociais e econômicas.

“Não podemos deixar de incluir nessa lista o aumento de mais de um grau celsius na temperatura mundial, que em algumas regiões já apresenta um aumento maior do que três graus, com um impacto imenso na vida de todos”, lamentou Baitelo. Mesmo com os efeitos das mudanças climáticas na energia, que já foram amplamente estudados, o pesquisador pontuou que a emissão de combustíveis fósseis provoca o aumento dos gases de efeito estufa, mas que essa energia também está sendo impactada, desde as hidrelétricas até as termelétricas. 

Foto: Sara Ribeiro

“No ano passado, com a questão da crise hídrica e, consequentemente, crise energética, o Brasil acionou termelétricas que deveriam funcionar somente em momentos de emergência, em tempo integral. Como consequência, houve um aumento direto do emprego de gás natural e do carvão, subindo em quase 50% a geração total de termelétricas movidas por essas fontes. Além disso, o país passou a importar gás natural dos Estados Unidos, impactando as tarifas elétricas”, explicou Baitelo. 

Ainda em sua fala, o representante do IEMA pontuou mais dois retrocessos no ano passado dentro do cenário brasileiro: a contratação de mais termelétricas em regime emergencial (com o preço muito maior) e a vitória do setor de carvão natural no Congresso Nacional, com a extensão das vidas úteis das usinas e dos subsídios até 2040. Uma medida que deveria ser descontinuada, mas que foi prorrogada. 

Nesta sequência de retrocessos, também foi aprovada a Lei 14.182/2021, da privatização da Eletrobras, que incluiu a contratação e instalação de termelétricas a gás natural no Brasil, com o aumento da quantidade de termelétricas a gás natural na próxima década. “A nossa expectativa é que o novo governo consiga reverter essa lei no Congresso, o que também é a expectativa dos setores ambiental e elétrico”, concluiu Baitelo.