COP 30: Biocombustíveis podem ser um caminho para a transição energética no Brasil, com salvaguardas socioambientais

Especialistas destacam potencial de culturas energéticas, como a macaúba, e apontam gargalos que exigem políticas integradas

O avanço do debate global sobre a desfosilização reforça a urgência de critérios que valorizem saberes locais, respeitem territórios e garantam salvaguardas ambientais e sociais. A transição energética só será justa e duradoura se estiver conectada à realidade de quem vive e produz nos biomas onde as soluções serão aplicadas.

Neste ano em que o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) completa 50 anos, os biocombustíveis voltam a ocupar posição estratégica. Agora, o desafio é analisar se e como vale a pena continuar investindo nesse tipo de geração de energia, o utilizando como um meio para uma transição energética justa, pelo menos, no Brasil. E se é possível ampliar sua produção sem causar mais conflitos fundiários e desmatamento.

Esse cenário guiou o painel “Tropicalização da transição energética: biossoluções para sustentabilidade e resiliência”, que reuniu especialistas para discutir caminhos possíveis e áreas críticas que precisam de ação. Promovido pelo Instituto Arayara no espaço Amazon Climate Hub, no centro de Belém (PA), em paralelo à COP30, Conferência das Partes das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, e moderado por Pedro Guedes, do Instituto E + transição energética, no dia 15 (sábado). 

Giulia Tonon, da Systemiq, abriu o debate com dados do estudo mais recente do Energy Transitions Commission (ETC), mostrando que mesmo com eletrificação acelerada, o mundo ainda dependerá de combustíveis baseados em carbono. As projeções indicam uma necessidade de cerca de 3,5 gigatoneladas de carbono por ano até 2050. Esse quadro pressiona o setor a buscar formas de captura e produção menos emissoras de gases de efeito estufa (GEE).

Uma das alternativas está nas culturas energéticas. Um estudo recente do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), apresentado por Isis Nóbile Diniz, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), durante o painel, mostra que é possível ampliar a produção de biocombustíveis sem causar mais desmatamento. O documento identificou que entre 20 e 35 milhões de hectares podem ser utilizados para esse fim, dentro dos 56 milhões de hectares de pastagens degradadas disponíveis para a expansão agrícola no país.

No entanto, a adoção de biocombustíveis como caminho da transição energética no Brasil depende da implementação de salvaguardas que garantam inclusão social, proteção territorial, uso racional da terra e a meta de desmatamento zero em todos os biomas até 2030. Como reforçou Diniz, a expansão de cultivos destinados a matérias-primas para biocombustíveis deve ocorrer exclusivamente sobre pastagens degradadas de baixo ou médio vigor, evitando qualquer conversão de áreas naturais, unidades de conservação ou territórios indígenas e quilombolas.

Essas salvaguardas incluem priorizar a recuperação de áreas naturais e pastagens degradadas; excluir terras públicas não destinadas da produção, classificando-as como áreas protegidas; impedir cultivos dentro de unidades de conservação, terras indígenas e territórios quilombolas; evitar competição com a produção de alimentos; adotar cultivos e rotas tecnológicas mais produtivas; e implementar monitoramento rigoroso e governança robusta sobre o uso da terra. O caminho para uma transição energética justa e sustentável, portanto, passa por integrar essas salvaguardas socioambientais a uma estratégia ampla de bioenergia. 

Gargalos e prioridades

Apesar das perspectivas positivas, os especialistas convergem sobre os entraves que precisam ser enfrentados. Tonon chamou atenção para a ausência de projetos pilotos em escala suficiente para testar tecnologias de captura de carbono dentro das cadeias produtivas. No setor da cana-de-açúcar, por exemplo, ela afirma que esse processo ainda é inicial e depende de incentivos claros para avançar. No caso da macaúba, a dificuldade maior é destravar a produção em escala comercial.

A falta de incentivos específicos dentro das cadeias de produção aparece como um dos principais obstáculos. Diniz ressaltou que políticas públicas precisam conversar entre si. Para isso, é essencial integrar instrumentos voltados para energia, uso da terra, agricultura e transporte, garantindo que as medidas se complementem e criem segurança para investidores e produtores.

O professor Hendrick Zarate, da Universidade Federal do Pará, e também debatedor, destacou ainda a escassez de iniciativas públicas voltadas ao desenvolvimento e à inserção dos biocombustíveis na matriz energética. Segundo ele, a transição só ganha força quando o Estado cria condições reais para inovação, financiamento, infraestrutura e desenvolvimento regional.

Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)
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