As emissões brasileiras de gases de efeito estufa nos setores de Energia e de Processos Industriais em 2019

Esses setores foram responsáveis por cerca de um quarto das emissões do país

De acordo com dados recém lançados pelo SEEG, o Brasil emitiu 2,2 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa (GEE) em 2019. O setor de Energia foi responsável por 19% dessas emissões, enquanto o de Processos Industriais e Uso de Produtos (PIUP) teve responsabilidade por 5% do total emitido no país. Esses dois segmentos totalizaram, portanto, 24% das emissões nacionais, caracterizando uma participação bastante menor do que aquela referente às atividades de uso do solo, que compõem a maior parte das emissões brasileiras. Essas atividades de uso do solo – correspondentes aos setores de Mudança de Uso da Terra e de Agropecuária – representaram 72% das emissões brasileiras de 2019. Por outro lado, as emissões de Energia e PIUP vêm crescendo e, com isso, elevando suas respectivas participações no total nacional. Essas participações tendem a ser ainda mais importantes no futuro, principalmente em um cenário desejável em que o Brasil volte a diminuir, chegando a zerar, suas emissões por desmatamento. Nesse contexto, destaca-se o setor de Energia que, de 1990 a 2019, teve suas emissões elevadas em 114%, passando de 10% das emissões brasileiras do início da década de 90 para 19% dessas emissões em 2019.

Figura 1 – Emissões brutas brasileiras de GEE por setor (1990-2019)

Mas do que se tratam as emissões de Energia e Processos Industriais? No setor de Energia são alocados os gases de efeito estufa provenientes do uso ou da produção de combustíveis. Já em Processos Industriais e Uso de Produtos é alocado aquilo que foi emitido devido ao uso ou à transformação físico-química de materiais na indústria. Da esquerda para a direita, a Figura 2 ilustra a distribuição das emissões de Energia e Processos Industriais segundo fontes energéticas e atividades emissoras. Na esquerda, observa-se que, em 2019, esses setores emitiram 513 milhões de toneladas (Mt) de dióxido de carbono equivalente (CO2e), sendo 414 Mt provenientes de Energia e 99 Mt geradas em PIUP. Na parte central da ilustração, é possível perceber que os combustíveis fósseis derivados de petróleo são responsáveis por mais da metade do CO2e emitido por esses dois setores. Por fim, na direita da representação, estão elencadas as atividades emissoras, tendo grande destaque os transportes, responsáveis por 38% desse conjunto de emissões.

Figura 2 – Emissões de Energia e Processos Industriais no ano de 2019 segundo fontes e atividades geradoras

O próximo gráfico mostra a série histórica de emissões de Energia e Processos Industriais entre os anos de 1970 e 2019. O setor de Energia, que teve seu pico de emissões em 2014, apresentou um ligeiro aumento de 1% nas emissões de 2019 em relação às de 2018. Já o de Processos Industriais apresentou, no mesmo período, retração de 2% em suas emissões que, desde 2010, têm se mantido em um patamar de cerca de 100 Mt de CO2e, em consonância com a desaceleração da atividade industrial brasileira.

Figura 3 – Emissões nos setores de Energia e de Processos Industriais e Uso de Produtos – PIUP (1970-2019)

Energia

Especificamente em Energia, conforme Figura 4, a atividade de transporte sempre foi a maior emissora, afastando-se cada vez mais das curvas referentes a outras atividades emissoras. A geração de eletricidade tem o histórico de emissões que, proporcionalmente, mais variou nos últimos anos, tendo seu pico de emissões em 2014 e, por outro lado, apresentado emissões consideravelmente menores no último ano. Duas outras relevantes atividades quanto ao total de carbono emitido são o consumo energético industrial, que possui emissões descendentes desde 2014, e a produção de combustíveis, com emissões estáveis também desde 2014. Existem ainda outros subsetores (residencial, comercial, público e agropecuário) que são menos importantes quando comparados aos quatro citados anteriormente, mas que, juntos, representam 10% das emissões de Energia.

Figura 4 – Emissões nas atividades do setor de Energia (1970-2019)

Transportes

Sendo a atividade de transporte a mais emissora desse grupo, conhecer seu comportamento é essencial para planejar políticas e ações em direção à redução da intensidade de carbono da economia brasileira. Os modos de transporte emitiram 196,5 Mt de CO2e em 2019, o que representa um aumento de 1% em relação a 2018, ocasionado pelo acréscimo da demanda por combustíveis. A Figura 5 traz a série histórica de consumo de combustíveis nos transportes, onde percebe-se o aumento da demanda por diesel de petróleo em 2019. Em contrapartida, o gráfico também mostra um fato notável que fez as emissões dessa atividade não terem subido mais do que o 1% citado: 2019 foi o ano em que mais se consumiu biocombustíveis (etanol e biodiesel) no Brasil. Para fins de contabilidade de emissões, conforme diretrizes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), esses combustíveis são considerados neutros em CO2 emitido no escapamento de veículos, pois todo esse carbono fora anteriormente capturado da atmosfera no processo de fotossíntese que ocorrera durante a cultura e o crescimento da biomassa, como cana-de-açúcar e soja, posteriormente utilizada para produção de biocombustíveis. Todavia, vale frisar que, como qualquer produto, os biocombustíveis permanecem tendo impactos e outras emissões associados à sua produção e distribuição que precisam ser minimizados. Dessa maneira, o ganho ambiental dessa categoria de fonte energética será maximizado.

Figura 5 – Consumo de combustíveis nos transportes (1990-2019)

A próxima representação ilustra, da esquerda para a direita, a participação das emissões de gases de efeito estufa nos transportes segundo fontes energéticas, modos, veículos e funções. Observa-se que a queima dos derivados de petróleo, diesel e gasolina, são, de longe, a maior fonte de emissão dessa atividade, sobretudo no transporte rodoviário por meio de caminhões, que têm como função o deslocamento de cargas, e de automóveis, utilizados no transporte de passageiros.

Figura 6 – Emissões na atividade de transportes em 2019

Agora mostrando as porcentagens das emissões dos transportes em relação ao emitido por todo setor de Energia em 2019, na Figura 7, temos que os transportes são responsáveis por 47% das emissões de Energia, sendo 23% referente ao transporte de passageiros e 25% ao de cargas. Para transportar passageiros, os automóveis emitem 15% de todas as emissões de energia. Com o objetivo de reduzir a intensidade de carbono do transporte de passageiros, é possível implementar políticas resumidas em três grandes ações. Evitar grandes deslocamentos motorizados – sobretudo por carros – nas cidades, aproximando oportunidades, principalmente de trabalho e de educação, a locais com grande densidade habitacional. Mudar o modo de se deslocar das pessoas, promovendo transferência modal do transporte individual motorizado para o coletivo ou ativo, que emitem menos gases de efeito estufa por passageiro. Melhorar as tecnologias e sistemas de operação com o aumento de eficiência energética e o emprego de fontes mais limpas de energia.

Figura 7 – Emissões do setor de Energia em 2019 com destaque para a atividade de transportes

Já no transporte de cargas, o grande expoente de emissões é o caminhão. Isso ocorre porque o transporte rodoviário de cargas é responsável por 65% de toda atividade de deslocamento de mercadorias no Brasil, enquanto as ferrovias e a cabotagem são responsáveis por apenas 15% e 10%, respectivamente. Tendo o modo rodoviário um fator médio de emissão de CO2 por atividade mais de cinco vezes maior do que o fator de qualquer outro modo de transporte de cargas, o predomínio do uso de caminhões em rodovias acaba por refletir em uma logística com elevada intensidade de carbono.

Uma forma de reduzir as emissões do deslocamento de cargas também é realizar transferência modal do transporte rodoviário por caminhões para modos de maior eficiência energética, como o ferroviário. É preciso pesar, porém, que toda e qualquer obra de infraestrutura a ser realizada, seja uma rodovia, seja uma ferrovia, precisa considerar a análise de diferentes alternativas visando determinar aquela que mais se adequa a cada território, que gera menor impacto ambiental e que maximiza benefícios socioeconômicos.

Geração de eletricidade

Após esse detalhamento do segmento de transportes, também é interessante entender a dinâmica de emissões da geração de eletricidade. Em 2019, essa atividade foi responsável por 53,4 milhões de toneladas de CO2e, o que representa uma elevação de 7% frente a suas emissões de 2018. Isso se deve a um maior acionamento de usinas termoelétricas, que, por outro lado, tiveram o ápice de seu uso no ano de 2014, quando as emissões foram 35% maiores em relação às de 2019.

Essa variação de emissões ocorre devido a diferentes participações anuais de fontes energéticas utilizadas para geração de eletricidade. Entre 2014 e 2015, a geração de energia via hidroelétricas, principal categoria de usina do sistema elétrico brasileiro, teve uma importante retração devido a condições hidrológicas desfavoráveis, fazendo com que fosse mais necessário o uso de combustíveis para geração termoelétrica. Já em 2019, a hidroeletricidade, bem como a geração de eletricidade via energia eólica, solar e biomassa, aumentou em relação a 2018. No entanto, como a demanda de eletricidade como um todo também aumentou, ainda assim foi necessário expandir o despacho térmico, elevando as emissões da atividade de geração de eletricidade.

Figura 8 – Oferta de eletricidade por categoria de geração (1990-2019)

A relevante informação é que, quando se observa o gráfico de potência instalada de usinas de geração elétrica no Brasil (Figura 9), o que retrata a capacidade de gerar eletricidade do país, constata-se um aumento vertiginoso da instalação de usinas movidas a energia eólica, solar e biomassa, com destaque para as eólicas. Há de se ressaltar que, mesmo assim, também houve aumento da potência instalada de termoelétricas a combustível fóssil.

Figura 9 – Potência instalada de usinas de geração elétrica no Brasil (2005-2019)

Nesse cenário de expansão da capacidade instalada de termoeletricidade, é fundamental reforçar que a instalação de qualquer nova usina deve, além de considerar as emissões de CO2, ponderar outros impactos ambientais por ela gerados, principalmente a nível local, como o consumo excessivo de água, podendo gerar estresse hídrico na região, e a emissão de poluentes atmosféricos prejudiciais à saúde, como o material particulado (MP) e os óxidos de nitrogênio (NOx).

Processos Industriais

Para finalizar, vale trazer, na Figura 10, a série histórica de emissões das atividades do setor de Processos Industriais e Uso de Produtos (PIUP). As emissões de PIUP ocorrem devido a quatro grandes atividades: produção de metais, com destaque para o aço; produtos minerais, com proeminência do cimento; emissões de HFC, gases utilizados em equipamentos de refrigeração; além da indústria química, que apresentou forte queda de emissões em 2007, provocada pela implantação de sistema de decomposição térmica do potente gás de efeito estufa óxido nitroso (N2O) em nitrogênio (N2) na produção de ácido adípico.

Figura 10 – Emissões nas atividades do setor de Processos Industriais e Uso de Produtos (1970-2019)

*Felipe Barcellos, pesquisador do IEMA.