Nova análise do Instituto de Energia e Meio Ambiente, lançada em outubro, aponta os riscos ao setor de transportes brasileiro, principalmente à indústria, decorrentes do Acordo de Comércio Mercosul – União Europeia. O estudo “Os impactos do Acordo de Comércio Mercosul – União Europeia na indústria brasileira de equipamentos de transporte” aponta o desequilíbrio no comércio internacional como, por exemplo, a demanda por veículos elétricos no Brasil e o desenvolvimento observado na indústria europeia. O documento pode reforçar a tendência de déficit no comércio de veículos, trazendo à tona preocupações sobre a “modernização conservadora” na mobilidade urbana. Além disso, os impactos sobre os funcionários do setor também são uma preocupação, com riscos de desemprego e precarização do trabalho. Leia aqui.
“O objetivo do estudo é analisar as implicações do acordo Mercosul-União Europeia na indústria de transporte público coletivo no Brasil. É preciso a participação dos trabalhadores e de organizações da sociedade civil em seu debate”, diz Renato Boareto, um dos autores do estudo e consultor do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). Enquanto os veículos elétricos ganham espaço, a necessidade de modernização é evidente, a indústria brasileira de transporte – inclusive de ônibus – enfrentará desafios competitivos.
Com o crescimento da demanda por veículos elétricos no Brasil e o grau de avanço observado na indústria europeia, é provável que haja o aumento de exportações desses veículos para o Mercosul, reforçando a tendência de maior déficit no comércio de veículos. O desequilíbrio no comércio internacional para favorecer o aumento da frota de automóveis elétricos via importação, somados aos possíveis subsídios para a aquisição por parte dos consumidores, reforça o risco do Brasil ter uma “modernização conservadora” na mobilidade urbana, por meio da qual sejam usados recursos públicos para financiar o transporte individual, em detrimento do investimento em sistemas de transporte público coletivo.
No caso dos veículos de transporte público coletivo, como ônibus e equipamentos para trens e metrôs, o Brasil tem uma robusta indústria instalada. Esses equipamentos apresentam elevado desenvolvimento tecnológico e a atual capacidade de produção é suficiente para atender ao mercado interno e seguir para exportação. Com relação à indústria de ônibus, a produção combina a presença majoritária de montadoras de origem europeia para a fabricação dos chassis com empresas brasileiras para a manufatura das carroçarias e para a montagem final dos veículos. “O Brasil exporta ônibus para mais de 120 países, mas está enfrentando a concorrência de fabricantes chineses, principalmente, na América Latina”, conta Boareto. No caso do acordo, o risco é de as montadoras europeias passarem a importar ônibus prontos de suas matrizes.
Com relação aos equipamentos metroferroviários, as indústrias instaladas no Brasil já sofrem concorrência de empresas estrangeiras, especialmente, nos processos de compras abertas para outros países (concorrência internacional), conforme exigência de financiadores da implantação de linhas de metrôs. Agora, a diminuição de impostos resultante do Acordo pode inviabilizar a indústria instalada no país.
Os possíveis impactos do Acordo sobre os trabalhadores do setor no Brasil também são considerados negativos. “As montadoras veem o Acordo como oportunidade para se conectar com cadeias globais de valores e o Brasil está vivendo um processo de desindustrialização”, afirma Boareto.
Por outro lado, a transição energética poderia impulsionar a indústria nacional de ônibus elétricos ou a instalação de novas montadoras no Brasil. O governo federal deveria desempenhar um papel na solução da crise do transporte público, usando políticas públicas para promover um novo ciclo de desenvolvimento. Assim, é necessária uma estratégia clara do governo para a transição energética na indústria automobilística, além da necessidade de políticas públicas que promovam o desenvolvimento da indústria nacional de ônibus elétricos.
Ou seja, segundo o Acordo Mercosul-União Europeia, o Mercosul se especializa em exportar produtos agrícolas, pecuários e extrativos para a União Europeia, em troca da abertura de seus mercados industriais e de serviços. Essa dinâmica reflete e reforça um padrão assimétrico de comércio entre os blocos, prejudicando a indústria brasileira e mantendo suas estruturas de produção e comércio exterior inalteradas. No longo prazo, prevê-se que a indústria brasileira busque aumentar sua produtividade e competitividade por meio da precarização do trabalho, rebaixando direitos e reduzindo custos salariais.
Mercosul – União Europeia
O Mercosul é formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela, esta última suspensa do grupo desde 2016. Há também os países associados que participam das discussões, mas não têm direito a voto. Esse grupo é formado por Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. A União Europeia, por sua vez, é formada por 27 países. Juntos, os dois blocos possuem cerca de 740 milhões de habitantes, um PIB de cerca de US$ 20 trilhões e comércio que corresponde a 25% da economia mundial.
A atual proposta de acordo entre o Mercosul e a União Europeia (EU) é resultado de 20 anos de negociações. O Acordo é formado por 17 temas, dentre os quais estão: “Comércio e Desenvolvimento Sustentável”, sobre o respeito aos acordos internacionais firmados, o compromisso das partes em relação aos acordos multilaterais ambientais e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030; e o “Comércio de Bens”, que contempla a indústria de equipamentos de transporte. O acordo deveria considerar as assimetrias competitivas, que podem ser expressas pelo Valor Agregado Manufatureiro (VAM). Nos países da União Europeia, o VAM de 2019 foi de US$ 2,3 trilhões, oito vezes maior que o do Mercosul, de US$ 282 bilhões.