O encontro “Hidrelétricas: a solução energética condenada pela crise climática?” debateu os impactos dessa geração de energia, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP26) em Glasgow, Escócia. No espaço Brazil Climate Action Hub, no dia 4 de novembro, o painel contou com a participação de Ricardo Baitelo (Instituto de Energia e Meio Ambiente, IEMA), Juma Xipaia (Instituto Juma), Alessandra Munduruku (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, Coiab) e Sandra Braga (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, Conaq).
Na ocasião, Ricardo Baitelo, especialista em planejamento energético e coordenador de projetos no IEMA, apresentou dados e análises que comprovam os benefícios de uma transição justa para outras fontes de energia renovável. O debate está disponível na íntegra: https://www.brazilclimatehub.org/events/hidreletricas-a-solucao-energetica-condenada-pela-crise-climatica/
As experiências traumáticas que infelizmente aconteceram em Tucuruí e Belo Monte, ambos no Pará, trouxeram aprendizado, segundo Baitelo. A exposição midiática no Brasil e no exterior dos impactos, incluindo os econômicos, da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, município de Altamira, contribuiu para a decisão de não construir uma usina hidrelétrica planejada no rio Tapajós. Lamentavelmente, foi a tragédia denunciada que tornou possível trazer à tona os impactos técnicos, econômicos, sociais, ambientais e culturais desse tipo de construção.
Direitos de quem vive dos rios
O painel foi marcado por discursos emocionantes. A ativista indígena Juma Xipaia, do Pará, presidente do Instituto Juma, relatou como se deu e ainda se estende o impacto negativo da Hidrelétrica de Belo Monte para os povos locais. Pelas palavras de Juma, Belo Monte é o retrato de uma política de desenvolvimento colonizadora e desconectada das necessidades da população local.
Sandra Pereira Braga, coordenadora executiva da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e quilombola de Mesquita Goiás, denunciou o que chamou de silenciamento dos povos quilombolas nos processos de construção de hidrelétricas, que avançam sem que os povos tradicionais sejam ouvidos ou respeitados. E clamou para que os financiadores tomem conhecimento e assumam responsabilidades sobre as injustiças.
Hilton Durão, assessor da Conaq e quilombola do Quilombo Porto Alegre, no Baixo Tocantins, disse que a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, cuja operação se iniciou em 1984 no rio Tocantins, na área onde mora, impactou comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas que dependem da natureza para viver. Segundo Hilton, à época da instalação, mais de 30 mil pessoas foram expropriadas sem consulta prévia informada, com base apenas em relatórios técnicos sobre o funcionamento da usina. Hoje, diz Hilton Durão, essas comunidades vivem a poucos quilômetros da usina e pagam caro pela energia gerada, sem que o fornecimento seja contínuo.
Alessandra Munduruku, representante do povo Munduruku, do Pará, e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), falou sobre a luta de resistência do seu povo na bacia do rio Tapajós contra o que “viria a ser um novo Belo Monte se o projeto não tivesse sido barrado”. “O que acontece no Tapajós afeta o mundo todo. Não só os indígenas”, alertou.
Ricardo comenta que os relatos trazidos no painel revelam um método de não-escuta e não-participação dos povos no processo de análise de impactos e planejamento. “A gente defende o planejamento integrado, com decisões tomadas coletivamente, pelo bem de quem tem o direito de usufruir dos recursos locais”, diz. “Como bem colocaram as palestrantes, além das questões hidrológicas, era preciso considerar os impactos sociais, sobre o uso da água, sobre a pesca e sobre a navegação que devem ser considerados. Há deslocamento das populações, inundação de terras férteis, desmatamento direto e indireto, impacto arqueológico, perda de biodiversidade terrestre e aquática.”
Agora, com esse conhecimento mais disseminado, cada vez mais se fala em desenvolver uma estrutura para a Amazônia para gerar desenvolvimento de quem está no local. E não, apenas, uma infraestrutura estabelecida na Amazônia para atender ao interesse de poucos em outras regiões.
Crescimento da energia sustentável
Atualmente, existem suficientes argumentos técnicos para apoiar projetos de energia e desenvolvimento justos e corretos. Dados trazidos pelo pesquisador apontam que a dependência que o Brasil tem da energia hidrelétrica representa grande risco. Hoje, dois terços da energia gerada no Brasil vêm das hidrelétricas. Estudos de cenários do Ministério de Minas e Energia (MME) mostram que o risco hidrológico decorrente das mudanças climáticas é crescente. “Isso confirma que cada vez que for feita a opção por novas hidrelétricas, aumentará o risco de racionamento, a energia elétrica tenderá a ficar mais cara e os impactos dramáticos que foram relatados aqui hoje serão espalhados”, observa Ricardo.
Por outro lado, o avanço considerável do Brasil em direção a outras fontes de energia coloca o país em uma perspectiva bastante favorável para reduzir a dependência de hidrelétricas. “Na época de Belo Monte, essas alternativas não estavam à disposição. Já falávamos de fontes de energia como biomassa, energia solar, eólica e outras, mas só mais recentemente elas têm ganhado terreno”, relembra Baitelo. A eólica já é a segunda maior fonte de energia do Brasil. A solar está caminhando rapidamente e, logo, irá ultrapassar a eólica em termos de capacidade instalada.”
Desde Belo Monte, as perspectivas para energias renováveis no Brasil mudaram muito. “A energia solar está caminhando para se tornar uma das quatro maiores fontes do Brasil. Já não estamos falando apenas de grandes fazendas, mas também da energia distribuída – os painéis nos telhados das residências, comércios, indústrias, propriedades rurais. Dessa forma, quem está usando a energia vê de onde ela está saindo e fica consciente dos seus impactos.” Existem também alternativas que podem respeitar a vocação natural de quem está sem acesso à energia. Entre elas, o etanol da mandioca e a hidrocinética, apropriada para para pequenos aproveitamentos.
População isolada da Amazônia
Na Amazônia, o planejamento participativo e a integração devem considerar o fato de a região não fazer parte do Sistema Interligado Nacional (SIN). A Amazônia está abastecida por sistemas isolados, em sua maioria termelétricas à base de geradores a diesel extremamente caros e poluentes. Outro desafio é o isolamento de parte da população. A fim de propor soluções para a construção de um modelo justo de desenvolvimento, o IEMA estimou as populações sem acesso à eletricidade, divididas por estado.
Amazonas, Pará e Maranhão se destacam no ranking. Unidades de conservação, assentamentos rurais, territórios quilombolas e terras indígenas despontam na lista com um total de quase um milhão de pessoas sem acesso à eletricidade. “As populações de áreas remotas são ainda mais difíceis de atender. Existe a possibilidade de a rede de energia chegar até essas pessoas, mas para isso são necessários sistemas distribuídos de geração”, diz Baitelo.