Pela primeira vez, o texto acordado entre os mais de 190 países que participaram da 28ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, reconheceu a necessidade de estabelecer uma transição justa, ordenada e equitativa dos combustíveis fósseis para as energias renováveis, de modo a evitar o aquecimento do planeta acima do 1,5 ºC. Por outro lado, o texto incluiu pontos que deverão postergar o uso de combustíveis fósseis, como o reconhecimento genérico da importância de fontes de transição, dando amplo espaço para a utilização do gás fóssil. O documento recomenda também a promoção de tecnologias de captura e sequestro de carbono, que manteriam a licença para a operação de termelétricas a combustíveis fósseis.
A discussão sobre descontinuar os combustíveis fósseis (“phase out”, conforme a proposta rechaçada na Conferência de 2021 em Glasgow e posta à mesa em Dubai) foi substituída no atual texto por transicionar (“transition away”). Há que se celebrar um avanço em relação à frustração da COP 26, que teve consenso apenas na redução gradual de combustíveis fósseis (“phase down”). Também há mérito em incluir os objetivos traçados pela Agência Internacional de Energia de triplicar a instalação de energias renováveis e dobrar a eficiência energética, ainda que os valores numéricos pretendidos tenham ficado de fora. Dependendo de tais valores, o alinhamento em direção ao crescimento de renováveis e medidas de eficiência energética poderão exercer efeito sobre a redução da demanda por combustíveis fósseis, notadamente carvão. Mas conter a exploração de petróleo envolve necessariamente o desafio de quebrar a dependência dos sistemas de transportes pelos combustíveis, em especial o óleo diesel e a gasolina, além de medidas orientadas para sua racionalização por meio do planejamento urbano e logístico. Adicionalmente, as alternativas renováveis precisam ganhar escala de modo a se tornarem opções econômicas para a sociedade.
É claro que a inflexão das emissões globais somente acontecerá com a implementação de ações para reduzir o consumo de combustíveis fósseis. Estas são anunciadas nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), metas nacionais de mitigação de emissões que cada país deve apresentar. No jogo atual, a lição de casa de cada país é livre e autodeterminada, ficando de fora da equação a contribuição histórica de cada país. Aliás, o financiamento para que os países em desenvolvimento possam realizar sua transição energética (incluindo as condições de abrir mão da exploração de petróleo) não obteve consenso e será o tema central da próxima COP 29, a ser realizada no Azerbaijão.
Quanto ao Brasil, é preciso celebrar tanto o compromisso reassumido de desmatamento zero pelo atual Governo Lula, como o crescimento doméstico da geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis. No entanto, a intenção brasileira de se apresentar como líder climático foi efetivamente frustrada dado o interesse manifestado de entrar equivocadamente no clube dos maiores produtores mundiais de petróleo – a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) – e a realização do leilão de blocos de petróleo pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), horas depois do encerramento da Conferência.
Além da oferta de blocos em áreas socioambientalmente sensíveis, cabe questionar a força motriz do problema: para que e por quem será usado esse petróleo que o governo brasileiro pretende continuar produzindo? Importante salientar que a metodologia do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) atribui as emissões da queima de combustíveis aos consumidores e não aos produtores. A discussão posta sobre “transitioning away” ressalta a disparidade entre os níveis de consumo entre os países e também dentro deles, como o contraste entre os Estados Unidos e o Brasil. O texto final da COP não aponta que os países desenvolvidos devem ser os primeiros em implementar o processo de transição.
Mais do que isso, o processo de transição deve dar conta de endereçar as disparidades de consumo mesmo dentro do Brasil. A Amazônia, palco da COP 30, é um dos maiores exemplos de regiões destinadas à exploração de recursos naturais para exportação, ao mesmo tempo em que a população residente tem baixa renda e condições precárias de acesso a infraestruturas fundamentais, como saneamento básico e energia. Na Amazônia Legal, cerca de um milhão de pessoas ainda vive sem acesso a energia elétrica.
A transição justa, ordenada e equitativa, discutida em eventos e consolidada no texto final do encontro, deve recolocar a desigualdade do consumo energético no centro da discussão climática. O caminho para a COP 30 envolve tanto a estruturação de políticas domésticas bottom-up, equacionando o acesso a energia e a processos inclusivos para o planejamento energético local, quanto top-down, com ações concretas para a redução da demanda de combustíveis fósseis para indústria, transportes e geração de eletricidade, especialmente nos países de maior consumo. O tempo é curto para implementar essas ações, mas o prazo para conter as mudanças climáticas é agora.