Até 12 milhões de equipamentos de sistemas fotovoltaicos precisam ser instalados na Amazônia Legal para atender o Mais Luz para a Amazônia, diz IEMA

Novo estudo também mostra que 237 mil toneladas de resíduos gerados desses sistemas devem ser adequadamente destinadas

O estudo “Sistemas Fotovoltaicos na Amazônia Legal: avaliação e proposição de políticas públicas de universalização de energia elétrica e logística reversa”, lançado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), nesta quinta-feira (dia 4), calculou quantos equipamentos (módulos fotovoltaicos e baterias) são necessários para cumprir as metas do Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica na Amazônia Legal – Mais Luz para a Amazônia (MLA). A análise também estimou onde, quando e quantos resíduos serão gerados, ressaltando a importância da administração adequada desse fluxo, principalmente, referente às baterias. Leia o estudo aqui.

Para atender às metas de universalização do Programa Mais Luz para a Amazônia (MLA), criado com o objetivo de promover o acesso à energia elétrica para a população brasileira localizada nas regiões remotas dos estados da Amazônia Legal, seria necessário o emprego de mais de três milhões de equipamentos ao longo da vida útil dos sistemas, no caso do cenário de atendimento com Sistema Individual de Geração de Energia Elétrica com Fonte Intermitente (SIGFI) de 45 kWh/mês com bateria de íon-lítio e de 12 milhões de equipamentos para o cenário com SIGFI de 180 kWh/mês com bateria de chumbo-ácido. Veja o folheto com detalhes.

O MLA indica a necessidade de levar energia elétrica a 219.221 unidades consumidoras – que podem ser residências, escolas, postos de saúde –, desconectadas do Sistema Interligado Nacional (SIN), que distribui energia para a maior parte do país. Se a meta do programa for cumprida, a capacidade instalada total atingirá 363 MWp (Megawatt-pico) considerando o padrão SIGFI 45, em 2030. No padrão SIGFI 180, a capacidade será de 1.381 MWp. Esse valor é maior do que a atual capacidade instalada residencial de geração distribuída fotovoltaica (GDFV) dos estados brasileiros.

São Paulo tem a maior capacidade instalada residencial brasileira, com 1.282 MWp, seguido pelo Rio Grande do Sul, com 922,2 MWp. Em outra comparação, se o atendimento for feito apenas por sistemas individuais (SIGFI), esse número representaria 16% da quantidade de sistemas residenciais instalados em todo o país. Ambos os dados são da Absolar, de fevereiro de 2023. Essa quantidade também será superior à capacidade instalada de Geração Distribuída Fotovoltaica (GDFV) residenciais da Região Centro-Oeste e Norte.

“A justa garantia de acesso à eletricidade para comunidades remotas da Amazônia, dependendo da velocidade a ser dada ao processo, exigirá um fornecimento contínuo e estável de componentes para sistemas de geração (painéis, baterias etc.) e os serviços associados. Além disso, o futuro descomissionamento e reposição desses sistemas, devido ao fim de suas vidas úteis e ao processo de manutenção, deve ser feito de forma adequada, a fim de evitar riscos ambientais em áreas sensíveis do local. Os resultados do estudo permitem concluir que os desafios no enfrentamento dessas questões são bastante consideráveis, exigindo maior envolvimento por parte dos fabricantes de equipamentos, das distribuidoras de energia elétrica e dos órgãos públicos”, destaca André Luis Ferreira, diretor-presidente do IEMA.

Gestão de resíduos

Para que o MLA seja realizado de forma a gerar menos impacto local, visto que os componentes têm vida útil limitada e as baterias podem poluir o meio ambiente ou serem inflamáveis, como é o caso da bateria de íon-lítio, o estudo buscou mostrar a dimensão necessária para atender as pessoas e de logística reversa que precisa ser elaborada. 

No final da vida útil dos sistemas instalados, seriam produzidas entre 71 mil e 237 mil toneladas de resíduos. Apenas o SIGFI 180 com bateria de chumbo-ácido geraria cerca de 7 mil ton/ano, correspondendo quase o dobro dos resíduos eletrônicos coletados no Brasil em 2021. Já os SIGFI 45 com bateria de íon-lítio corresponderiam a 2.007,18 toneladas. Considerando a totalidade de resíduos gerados ao longo do programa MLA dividido ao longo dos 32 anos analisados, os estados do Acre, Amapá e Amazonas gerariam a menor quantidade de resíduos anual por habitante. Mato Grosso, Rondônia e Tocantins, por sua vez, seriam os maiores geradores de resíduos por habitante.

O Pará, estado onde há mais unidades consumidoras a serem atendidas, teria 2,2 kg/hab/ano de resíduos com sistemas SIGFI 45 com bateria de íon-de-lítio. Para o sistema SIGFI 180 com bateria de chumbo-ácido, esse valor aumentaria para 7,3 kg/hab/ano. Já Mato Grosso, que tem a menor meta de atendimento, apresenta a maior quantidade de resíduos gerados anualmente por habitante, pois tem menos habitantes por unidades consumidoras. Estima-se a geração de 2,7 kg/hab/ano nos SIGFI 45 com bateria de íon-lítio e 8,9 kg/hab/ano nos SIGFI 180 com bateria de chumbo-ácido.

Em sistemas isolados da rede de energia elétrica, as baterias são necessárias para estocar a energia solar para uso em momentos posteriores. No estudo, foram avaliados dois tipos: chumbo-ácido, já empregada pelo mercado e com preço acessível; e íon-lítio, mais eficiente, porém exige maior cuidado ao manusear e ainda falta ser adequadamente regulamentada pela política de resíduos sólidos brasileira. Os resíduos das baterias de íon-lítio para atendimento das unidades consumidoras podem chegar entre 37 mil e 61 mil toneladas. Já as baterias de chumbo-ácido podem  produzir 90 mil toneladas de resíduos no sistema de 45 kWh e mais de 110 mil toneladas no sistema de 180 kWh.

É crescente a discussão sobre o uso de baterias de íon-lítio de segunda vida em casos de equipamentos com capacidade de recarga rápida esgotada, mas que ainda podem ser úteis para aplicações estacionárias, como é o caso de sistemas fotovoltaicos. Porém, seu uso em sistemas isolados e remotos na Amazônia gera incertezas à medida que têm vida útil menor do que as baterias novas e podem apresentar problemas técnicos no curto prazo.

Ainda que a maioria dos componentes dos sistemas fotovoltaicos seja reciclável, a logística reversa para eles é praticamente inexistente na Amazônia Legal: apenas 58 dos 808 municípios contam com o serviço. Em Tocantins, são apenas dois municípios de 14 e Roraima tem apenas um município entre também 14 com esse recurso. Vale ressaltar que os valores indicados neste estudo desconsideram a geração de outros tipos de resíduos como embalagens, cabos e componentes dos sistemas. Mesmo assim, a quantidade de resíduos estimada pelo trabalho seria superior à atual coleta anual de equipamentos eletroeletrônicos de todo o Brasil.

“A transição energética justa, tão discutida atualmente, passa pela inclusão energética tanto em centros urbanos periféricos quanto em áreas ambientalmente sensíveis, como a Amazônia. Nesse sentido, o abastecimento à população ainda sem acesso a esse serviço deve vir necessariamente acompanhado de políticas públicas capazes de integrar os desafios de recursos e governança para evitar que o problema atual da falta de luz não seja substituído por outro problema de acúmulo de resíduos no futuro ”, Ricardo Baitelo, gerente de projetos do IEMA. 

Logística e falta de informações

Garantir o efetivo gerenciamento da instalação e retirada de resíduos dessas regiões remotas requer uma cadeia estruturada. Hoje em dia, mais de 90% dos principais equipamentos dos sistemas fotovoltaicos são importados e a indústria existente está concentrada nas Regiões Sudeste e Sul do país. Ainda é reduzido o número de empresas integradoras na Região Norte. 

Por fim, falta informações dos sistemas off-grid (não conectados à rede da distribuidora de energia elétrica) instalados e operantes no Brasil. “Dados e informações consolidados são essenciais para qualquer política pública. A falta desses dificulta a medição, o monitoramento e o seu planejamento e execução efetiva como metas, alocação de recursos e mecanismos de gestão para garantir a sustentabilidade de longo prazo. É o caso dos programas de eletrificação, que exigem um ciclo completo de atendimento, desde a identificação e localização das pessoas sem acesso à energia elétrica até a destinação dos resíduos gerados”, explica Vinicius Silva, um dos autores do estudo. A estruturação e a disponibilização de dados e informações são um gargalo significativo para o acompanhamento, fiscalização e proposição de sugestões, avaliações e melhorias dos programas de acesso à energia elétrica.

Restam lacunas a serem preenchidas para o adequado enfrentamento de dois importantes desafios: o planejamento e a execução da instalação de milhares de sistemas off-grid em áreas remotas, distribuídas em um vasto território com pouca infraestrutura logística de transporte e comunicação; e o planejamento e execução da retirada e reciclagem dos resíduos a serem gerados (módulos fotovoltaicos, baterias e componentes) em escala e de forma distribuída.