Há algo silenciosamente revolucionário em abrir uma planilha: cada célula parece conter um pedaço do mundo. No entanto, é na tentativa de encontrar um sentido na organização de linhas e colunas que algo ainda que impalpável se faz essencial: transparência.
“Gases de efeito estufa não são visíveis. Por isso, o primeiro compromisso de quem mede é tornar o invisível compreensível”, diz David Tsai, coordenador do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa) e gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). “A transparência é um valor básico. É o que permite que o erro se torne aprendizado. E o aprendizado, política pública”, completou.
Foi sob essa ideia que integrantes do terceiro setor, da iniciativa privada e do governo se reuniram durante o painel “Da Mediação à Ação: Transparência nos Inventários de GEE e Integração com Estratégias Empresariais de Neutralidade Climática”, que ocorreu na segunda-feira (10), às 14h15, no no Auditório Uruçu, que integra o Pavilhão Brasil, na Green Zone da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), em Belém.
O painel, que reuniu representantes da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), Klynveld Peat Marwick Goerdeler (KPMG), mediados pelo IEMA, teve como norte discutir a integração entre inventários de emissões e estratégias empresariais de neutralidade climática.
“Os inventários corporativos são essenciais para aumentar a precisão dos dados e revelar o que as médias escondem. São eles que dão textura às estatísticas”, disse Tsai.
O SEEG nasceu há 13 anos, dentro do Observatório do Clima, para preencher um vazio: a ausência de dados públicos, abertos e comparáveis sobre as emissões brasileiras. “A transparência abre as portas para a cooperação. E a cooperação é o que transforma dados em ação”, diz.
O evento, promovido pela Cetesb, destacou o avanço da agência paulista na modernização da coleta e divulgação dos inventários corporativos de emissões. Desde 2013, a Cetesb recebe inventários das principais empresas licenciadas no estado de São Paulo e, em 2024, aprimorou seu sistema para alinhá-lo ao Sistema de Registro Nacional de Emissões (Sirene), plataforma federal de informações climáticas. O resultado foi a criação do primeiro painel dinâmico e público de transparência de emissões do país, que reúne dados históricos e informações sobre compensações voluntárias realizadas pelas empresas.
“A transparência é a base para avançar na governança climática. Só com dados abertos e comparáveis é possível formular políticas públicas e estratégias empresariais consistentes”, destacou Liv Nakashima Costa, diretora de gestão corporativa e sustentabilidade da Cetesb.
Capacitação e engajamento empresarial
Para Felipe Salgado, sócio-diretor de descarbonização da KPMG Brasil, o engajamento ainda é desigual. “Há setores mais maduros, como o siderúrgico e o de papel e celulose, mas a maioria das empresas ainda não superou o passo inicial: medir suas emissões”, afirmou. “É preocupante ver companhias que anunciam metas de neutralidade sem sequer ter um inventário estruturado”, completa.
Salgado também destacou a urgência de digitalizar processos e adotar sistemas que garantam a rastreabilidade dos dados, especialmente nas emissões de escopo 3, ligadas à cadeia de valor. “Sem tecnologia e capacitação, a qualidade dos dados segue comprometida”, alertou.
Desafios para as empresas
Representando o setor industrial, Marco Antonio Ramos Caminha, assessor sênior da Fiesp, ressaltou a falta de capacitação e de conhecimento técnico sobre as emissões entre as pequenas e médias indústrias, que representam quase 90% do parque industrial paulista.
“Mais de 80% das empresas consultadas pela Fiesp afirmaram não compreender plenamente os impactos climáticos de suas atividades”, explicou Caminha. “Sem formação, é difícil inserir essas empresas na nova fase de descarbonização industrial.”
Segundo ele, a entidade defende um mercado regulado de carbono faseado, que permita aprendizado e construção de bancos de dados robustos, integrando também pequenas e médias empresas às cadeias de valor sustentáveis.
Bioenergia e descarbonização
O setor de bioenergia foi representado por Evandro Gussi, CEO da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), que defendeu a visão de que a sustentabilidade deve ser tratada como negócio, e não apenas como um apêndice das operações.
“O etanol brasileiro emite, em média, 21 gramas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) por megajoule, contra 86 gramas da gasolina. O setor já trabalha para produzir etanol neutro em carbono, com aumento de produtividade e uso de biometano”, afirmou Gussi.
Ele também destacou o potencial do biometano — derivado da vinhaça, da torta de filtro e da palha da cana — como vetor essencial da descarbonização industrial. “Trocar o gás natural fóssil pelo biometano é descarbonização sem custo adicional nem mudança tecnológica”, explicou.
O caminho da transparência
Encerrando o painel, os participantes concordaram que o acesso público aos dados de emissões é um vetor de credibilidade e atração de investimentos para empresas e governos. “Olhar para dados como fator de competitividade e acesso a capital será decisivo para destravar a agenda de clima”, concluiu Salgado.