Em um processo de planejamento de infraestrutura de transportes inédito no Brasil, o Ministério dos Transportes realizou em Manaus (AM) uma rodada inicial do Plano Nacional de Logística (PNL) 2050 para discutir a matriz origem-destino, neste caso, com foco na Região Norte. O encontro reuniu especialistas, representantes do setor produtivo e da sociedade civil e pode ser conferido na íntegra aqui.
“Temos uma inovação no processo: estamos primeiro identificando problemas, priorizando problemas, para depois apenas discutir quais são os projetos e soluções. Historicamente, o planejamento era construído a partir da carteira de projetos que os ministérios já tinham”, afirmou Gabriela Monteiro Avelino, subsecretária de fomento e planejamento do Ministério dos Transportes.
Durante o encontro, representantes da indústria da região falaram sobre a importância de acabar com o isolamento da Amazônia Legal, que sofre com gargalos logísticos e falta de integração com o restante do país. “O modelo Zona Franca de Manaus abriga mais de 500 empresas, gerando mais de 130 mil empregos diretos e contabilizou faturamento recorde de 204 bilhões de reais em 2024. Esses números comprovam o potencial de desenvolvimento da região quando dispõe de condições adequadas”, afirmou Nelson Azevedo dos Santos, Vice-Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM).
Contexto do problema
Historicamente, os investimentos em infraestrutura de transporte na Região Norte têm priorizado grandes obras voltadas à exportação de commodities do agronegócio e da mineração industrial, desconsiderando riscos socioambientais e as necessidades da maioria da população amazônica. Essa falha tem contribuído para o agravamento de desigualdades socioeconômicas e uma série de impactos e conflitos socioambientais. Para tentar superar esse problema, desta vez, o PNL 2050 pretende incorporar a dimensão socioambiental entre os critérios técnicos do planejamento, aumentar a transparência e ampliar a participação social nas várias etapas de sua elaboração.
Segundo o que foi debatido, uma das novidades do processo desse novo planejamento é que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) participará da construção do PNL 2050 com relação a questões socioambientais, em três etapas distintas relacionadas. A primeira consiste em um diagnóstico da infraestrutura já existente, com foco nos riscos socioambientais e climáticos. Em seguida, serão mapeados os possíveis riscos associados aos projetos futuros. Nessa análise, variáveis socioambientais poderão indicar a inviabilidade de certas iniciativas, que nem chegarão a compor a carteira de projetos. O BID também estará presente na concepção dos projetos, contribuindo para filtrar propostas e mitigar riscos identificados em carteiras de projetos escolhidas. A priorização considerará esses riscos, avaliando os impactos potenciais dos projetos selecionados.
“O PNL traz de uma maneira mais robusta o conceito de planejar de maneira intermodal corredores. E, com uma análise preditiva dos riscos, vai conseguir entender quais os desafios climáticos se aplicam àquele conjunto de iniciativas e quais os impactos sinérgicos e cumulativos da implementação daquelas infraestruturas, que também precisam ser considerados. Isso é um avanço”, afirmou Cloves Eduardo Benevides, subsecretário de sustentabilidade do Ministério de Transportes (MT). Benevides também reforçou a importância de conciliar projetos com modelos de desenvolvimento que vão ao encontro de metas ambientais estabelecidas, como o compromisso de desmatamento zero da Amazônia.
Sobre a matriz origem-destino e o PNL
A discussão regional sobre a matriz origem-destino de cargas faz parte da construção do Plano Nacional de Logística 2050 (PNL 2050). A matriz origem-destino de cargas é uma ferramenta que mostra a quantidade de produtos que circulam entre diferentes pontos da região em um determinado período, e entre a região e o restante do país. Dessa maneira, esses encontros buscam identificar as reais necessidades logísticas de cargas das diferentes regiões do país.
Uma curiosidade é que, para aprimoramento e revisão das projeções, a Fundação Dom Cabral, parceira do Ministério dos Transportes, contribuiu com a matriz origem-destino da região dividindo a Amazônia em três para análises: Amazônia de granéis agrícolas e minerais; a Amazônia do Polo Industrial de Manaus; Amazônia “profunda”, para escoamento interno de mercadorias como medicamentos, por exemplo.
Próximos encontros
A rodada de debates de Manaus segue os eventos já realizados em Curitiba (Região Sul), Cuiabá (Centro-Oeste) e São Paulo (Sudeste). A quarta acontecerá em Recife (Nordeste), dia sete de maio.
Especialistas e lideranças amazônidas repercutem o PNL 2050
“A infraestrutura em si não é assegurada para nós, populações tradicionais. A infraestrutura pensada deixa de contemplar o nosso acesso à estrada, o direito à agroecologia, aos produtos da sociobiodiversidade. Desconsidera a forma como nós vivemos e lidamos com a natureza. Somos pessoas que produzem, que querem infraestrutura, mas uma infraestrutura pensada nos povos que nela habitam. O Plano Nacional de Logística precisa contemplar essa visão.”
Maura Arapiun, Liderança Indígena da Região do Baixo Tapajós
“A metodologia de elaboração do novo Plano Nacional de Logística (PNL 2050) com transparência e participação social, começando com a etapa de diagnóstico e cenários da Matriz Origem-Destino sobre o transporte de produtos e pessoas, traz uma grande oportunidade para alinhar o planejamento setorial de transportes com os objetivos de desenvolvimento sustentável, de modo a facilitar a identificação de soluções que melhor atendam às necessidades da sociedade, evitando projetos de alto risco socioambiental.”
Brent Millikan, GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental
“A elaboração da Matriz Origem-Destino é o primeiro passo para pensar soluções de infraestrutura de transportes. Além disso, analisar as projeções de expansão futura da produção e consumo de mercadorias em uma região como a Amazônia, especialmente no setor agropecuário, é importante para antecipar possíveis alterações no uso e na ocupação do solo que possam ameaçar a floresta, os povos tradicionais e a realidade econômica da agricultura familiar.”
André Luis Ferreira, diretor-presidente do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)