Eletrosul, Engie Brasil Energia e EDP Energias do Brasil são as empresas que mais emitiram carbono por eletricidade gerada em termelétricas, aponta estudo do IEMA

Ranking considera as usinas fósseis de serviço público do SIN controladas por diferentes empresas; veja mais no Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas

As empresas Eletrosul, Engie Brasil Energia e EDP Energias do Brasil registraram, respectivamente, as três maiores taxas de emissão (CO2e emitido por eletricidade gerada) entre as empresas proprietárias de termelétricas fósseis de serviço público conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN), em 2020. Esses dados estão disponíveis no inédito Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), publicado hoje, dia 30 de junho. Trata-se de um estudo minucioso sobre termelétricas de serviço público conectadas ao SIN e suas emissões de gases de efeito estufa (GEE).

O Inventário, entre outras informações, divulga o ranking das empresas que mais emitiram GEE por eletricidade gerada em 2020. Essa lista decrescente de taxas de emissão é, respectivamente, completada por: Brentech Energia S/A, CPFL Geração de Energia S/A, Aruana Energia S/A, Usina Xavantes S/A, Centrais Elétricas de Pernambuco S/A, OZ&M Incorporação Participação LTDA e Savana SPE Incorporação LTDA. Elas formam o conjunto das dez empresas com as maiores taxas de emissão de GEE em 2020.

Detentora de 100% do controle acionário da usina termelétrica Candiota III (Candiota, RS), usina a carvão mineral com a maior taxa de emissão entre as usinas que forneceram energia ao SIN em 2020, a Eletrosul foi responsável por 1.327 tCO2e/GWh – mais que o dobro da média observada para o conjunto de empresas proprietárias de térmicas fósseis de serviço público do SIN, de 608 tCO2e/GWh. Já a Engie Brasil Energia S/A alcançou a também elevada taxa de 1.088 tCO2/GWh, uma vez que é proprietária de quatro das oito usinas a carvão mineral, combustível intensivo em carbono, do parque brasileiro: a Pampa Sul (Candiota, RS) e as plantas que compõem o conjunto Jorge Lacerda em Capivari de Baixo (SC).

Eduardo Soares/ Unsplash

O critério adotado pelos pesquisadores do IEMA para a alocar em empresas a geração termelétrica fóssil e as emissões de CO2e foi a participação acionária de cada proprietária nas termelétricas inventariadas, informação obtida em três plataformas da Aneel: o sistema Polímero, o Sistema de Informações Geográficas do Setor Elétrico (Sigel) e o Sistema de Informações de Geração da Aneel (Siga). “Também foram realizadas buscas nos sites institucionais de empresas e/ou de usinas com o intuito de preencher algumas lacunas encontradas nas bases de dados”, observa Raissa Gomes, pesquisadora do IEMA e coautora do estudo.

Vale lembrar que a taxa de emissão é determinada pela divisão entre as emissões e a eletricidade gerada por uma usina. Via de regra, para atribuir esse indicador a uma empresa, considera-se tudo que foi emitido e gerado em todo o seu portfólio de usinas, incluindo diferentes fontes energéticas (hidráulica, eólica, biomassa, fósseis etc.). “Entretanto, como o escopo deste inventário são termelétricas a combustíveis fósseis de serviço público operando no SIN, as taxas de emissão calculadas para as empresas levam em conta apenas esse universo.”, explica Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do IEMA, um dos autores do estudo.

Outro critério adotado pelos pesquisadores foi desconsiderar as usinas que operam em regime de cogeração de eletricidade e vapor (Termorio, Cubatão, Vale do Açú, Termobahia e Termocamaçari, todas pertencentes à Petrobras), para evitar que as taxas de emissão fossem superestimadas. “Essas cinco usinas podem produzir vapor para processos industriais e a eletricidade é apenas uma saída parcial da planta. Como não foi possível obter os consumos de combustíveis exclusivamente para geração de eletricidade, optou-se por excluir da taxa de emissão as usinas que possuem cogeração”, salienta Gomes.

Geração e emissão concentradas

Outro dado interessante é que 72,3% de toda emissão de GEE inventariada foi de responsabilidade de apenas cinco empresas: Petrobras (28,7%), Eneva (14,7%), Engie Brasil Energia (10,5%), Électricité de France – EDF (9,4%) e Eletronorte (9,0%). Ou seja, apesar de haver uma quantidade grande de empresas geradoras (41 diferentes), a eletricidade fóssil gerada em 2020 se revelou bastante concentrada.

As emissões totais de CO2e em 2020 também estiveram concentradas em poucas empresas. Das dez maiores emissoras, apenas três – Petrobras (24,9%), Engie (19,0%) e Eneva (15,2%) – responderam por 59,1% das emissões. Na sequência da lista decrescente de emissões absolutas, aparecem: Eletronorte (6,7%), Électricité de France – EDF (6,1%), Eletrosul (5,0%), EDP (4,6%), Neoenergia (2,9%), Rio Doce Energia (2,5%) e J&F Investimentos (1,8%). Dentre as 41, somente essas dez empresas são responsáveis por 88,8% das emissões, o que equivale a mais de 29 milhões de toneladas de gases de efeito estufa emitidas no ano de 2020.

A Petrobras figura como a maior emissora em termos absolutos (tCO2e), porém apresentou uma taxa de emissão (483 tCO2e/GWh) bem inferior à média das termelétricas a combustíveis fósseis de serviço público do SIN. “Isso porque grande parte das usinas por ela controladas utilizam tecnologias que alcançam menores intensidades de carbono”, explica Barcellos e Silva.

O Inventário também apresenta rankings das usinas que mais emitiram, das gerações de eletricidade nessas usinas, bem como das suas respectivas eficiências energéticas. Neste último, os indicadores mostram que as usinas movidas a carvão mineral ocupam as piores posições. “Entre as cinco usinas com os menores índices de eficiência energética, quatro utilizam o carvão como combustível”, ressalta o pesquisador Barcellos e Silva, acrescentando que o estudo traz como destaque interessante o fato de as emissões de GEE estarem concentradas em um número relativamente pequeno de usinas.

Alerta qualificado

O crescimento da geração de eletricidade por termelétricas que utilizam combustíveis fósseis em 177% nas duas últimas décadas – de 30,6 TWh, em 2000, para 84,4 TWh, em 2020 – favoreceu um aumento de 90% nas emissões de gases de efeito estufa no setor elétrico, nesse mesmo período. Além do dano ao meio ambiente, o avanço resultará também em contas de luz mais caras à população. O estudo do IEMA visa justamente alertar governos, organizações não-governamentais, pesquisadores, mídia e a sociedade em geral sobre as possíveis implicações socioeconômicas e ambientais do setor energético brasileiro.

O estudo ganha importância no atual cenário em que as termelétricas a combustíveis fósseis, sobretudo a gás natural, ganharam espaço como alternativas imediatas de complementação de geração hidrelétrica deficiente e de combate ao risco de um racionamento de eletricidade. A publicação também é oportuna quando se atenta para o médio e longo prazo, com a previsão de implantação de 8.000 MW em termelétricas a gás natural espalhadas em todas as regiões do Brasil – que entrarão no sistema entre 2026 e 2030 – e com a postergação de subsídios e da vida útil de usinas a carvão mineral até 2040.

“O que o IEMA faz é qualificar o debate sobre o contexto atual do setor elétrico, que apresenta elevados riscos para os planos de descarbonização rumo a uma matriz 100% renovável, bem como para a melhoria da qualidade do ar no país. Infelizmente, o que temos visto é o país caminhar na direção oposta, com a expansão da operação de usinas termelétricas fósseis. Além da emissão de gases de efeito estufa, esse tipo de geração resulta em uma série de problemas ambientais”, alerta André Luis Ferreira, diretor-executivo do IEMA.

Ele se refere, por exemplo, ao estresse hídrico por conta da utilização de água para resfriamento de sistemas termelétricos, à emissão de poluentes locais e à competição no despacho de energia com fontes renováveis. “Sem falar que essas usinas contribuem significativamente para o encarecimento das contas de eletricidade”, acrescenta.

Dificuldades encontradas

Um desafio importante para a elaboração do Inventário foi a dificuldade de obtenção de informações de boa qualidade e acessíveis para o público, especialmente no que se refere a indicadores ambientais das usinas termelétricas e de suas empresas proprietárias.

“Esse estudo evidenciou que há uma longa distância a percorrer no Brasil”, avalia Ferreira, referindo-se à ampla divulgação de informações necessárias para uma efetiva gestão pública do meio ambiente, assim como para a implementação transparente e consistente das recentes práticas manifestas de Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG, do inglês Environmental, Social and Corporate Governance) por parte das empresas do setor elétrico.

Avanços alcançados

Com o inventário lançado, o IEMA consolida uma base de dados com parâmetros técnicos e ambientais das usinas, tais como combustíveis utilizados, tecnologias adotadas e potencial de emissões atmosféricas. De acordo com os pesquisadores, desenvolveu-se uma metodologia de consolidação de dados, incluindo critérios para casos de informações ausentes ou pouco consistentes.

Por que as informações se referem a 2020?

Os pesquisadores elegeram os Relatórios de Atividades Potencialmente Poluidoras e Utilizadoras de Recursos Ambientais, publicados no portal de dados abertos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), como referências principais do estudo, pois são as fontes mais completas em termos de disponibilidade de dados de consumo de combustíveis e de emissões atmosféricas locais. “Essa foi a razão de 2020 ter sido o ano base adotado para o inventário, visto que informações referentes ao ano de 2021 ainda não se encontram completamente disponíveis”, conclui Barcellos e Silva.