As 72 usinas termelétricas fósseis conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) emitiram 19,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) em 2022, de acordo com o “3º Inventário de emissões atmosféricas em usinas termelétricas”, lançado hoje, quinta-feira (19), pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). No ano passado, toda a geração termelétrica fóssil brasileira voltou a representar os mesmos 10% da geração de eletricidade na matriz elétrica de 20 anos atrás. Essa redução é reflexo de um período de condições climáticas favoráveis à geração hidrelétrica após a crise hídrica, além do crescimento de outras fontes renováveis (eólica e solar). Independente desses dados aparentemente favoráveis, a tendência é de aumento de emissões por usinas fósseis no médio prazo. O estudo está disponível na íntegra aqui.
“A redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) aconteceu porque as condições climáticas favoreceram o acionamento de hidrelétricas. No entanto, como vimos em anos anteriores, períodos de maior ou menor volume de chuvas poderão se alternar no futuro, tornando incerta a continuidade dessa redução de emissões apenas como resultado de condições favoráveis à geração hidrelétrica”, ressalta Felipe Barcellos e Silva, um dos autores do estudo. A geração termelétrica proveniente do conjunto das usinas inventariadas totalizou 31,1 TWh em 2022. Em 2021, esse valor foi de 95,7 TWh, ou seja, houve uma queda de 67%. “Apesar dessa redução, a demanda nacional por energia elétrica cresceu 3% de 2021 para 2022”, conta Raissa Gomes, uma das autoras da pesquisa.
Ela destacou que, além da melhora dos reservatórios, que possibilitou a diminuição na geração termelétrica, as usinas eólicas e solares também geraram o suficiente para suprir o aumento da demanda. “Ano passado, a geração eólica ultrapassou pela primeira vez a geração termelétrica fóssil e a geração solar teve um aumento de 80% em comparação ao ano de 2021”. Nesse cenário de diminuição expressiva na geração fóssil em favorecimento de fontes renováveis, o Sistema Interligado Nacional (SIN) como um todo — hidrelétricas, eólicas, solares e termelétricas nucleares, renováveis e fósseis —, apresentou uma queda significativa em sua taxa de emissão global, que variou de 92 tCO2e/ GWh em 2021 para quase um terço disso em 2022 (32 tCO2e/ GWh).
O estudo mostrou que 23,3 TWh – terawatt-hora, unidade de medida da energia equivalente a mil gigawatt-hora – foram produzidos a partir do gás natural (41 plantas), o que corresponde a 75% do total inventariado. Segundo em participação, o carvão mineral foi responsável pela geração de 6,9 TWh, representando 22% da produção de eletricidade fóssil. O aumento proporcional do emprego de termelétricas a carvão ocasionou uma elevação de 9% na taxa de emissão média inventariada, passando de 582 tCO2e/ GWh em 2021 para 637 tCO2e/ GWh em 2022.
As quatro usinas que mais emitiram GEE em 2022 foram movidas a carvão mineral e estão localizadas no Sul do país. O destaque vai para Candiota III (RS) que, apesar de ter sido a quinta maior geradora em 2022, foi a maior emissora, responsável por 12% das emissões de todo o parque termelétrico estudado.
Sul em primeiro lugar
O subsistema Sul foi o maior emissor de GEE de 2022, com 40% do total de emissões (7,9 milhões de tCO2e). Isso ocorreu, principalmente, devido à geração termelétrica nos municípios de Capivari de Baixo (20%), em Santa Catarina, e Candiota (19%), no Rio Grande do Sul, sedes de usinas a carvão mineral. Mesmo tendo o menor número de termelétricas, o Sul ultrapassou o subsistema Sudeste/ Centro-Oeste em emissões. Este foi responsável pela emissão de 5,2 milhões de toneladas de GEE (26% do total).
As emissões de Capivari de Baixo (SC), Candiota (RS), Manaus (AM), Santo Antônio dos Lopes (MA) e Duque de Caxias (RJ) representam quase 70% do total inventariado. No Amazonas, Manaus tem as usinas que operam com mais capacidade devido a suas características contratuais. Mesmo com a queda relatada de geração de energia elétrica fóssil, as termelétricas do município funcionaram a 57% de sua capacidade máxima, enquanto, na média, as usinas do SIN operaram a 15% de sua capacidade. No Maranhão, a cidade de Santo Antônio dos Lopes se destaca com o conjunto Termelétrico Parnaíba, que adicionou 365 MW de potência por meio da inauguração de uma turbina a vapor em 2022. Já Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, conta com a usina Termorio, a maior geradora de energia elétrica fóssil no ano passado.
Empresas mais emissoras
Apesar de haver uma quantidade relativamente grande de empresas geradoras de energia elétrica fóssil (39), quase 75% das emissões inventariadas em 2022 foi de responsabilidade de apenas quatro empresas: Petrobras (22%), Eletrobras (21%), Fram Capital Energy (20%) e Eneva (11%). Na sequência, para completar a lista das dez empresas mais emissoras, estão: Engie (7%), Ceiba Energy (3%), Électricité de France – EDF (3%), J&F Investimentos (2%), BTG Pactual (2%) e Termo Norte Energia (2%).
Vale ressaltar que a Petrobras, uma das maiores geradoras de energia elétrica fóssil no Brasil, apresenta uma taxa de emissão menor que a média das empresas inventariadas. Isso se deve, principalmente, à eficiência das tecnologias empregadas em suas termelétricas. Usinas mais eficientes queimam menos combustível e, consequentemente, emitem menos gases de efeito estufa por gigawatt-hora (GWh) produzido. “Além da tecnologia de conversão energética (ciclo de potência), a eficiência de uma usina também é afetada pelas condições de manutenção e pela sua idade”, explica André Luis Ferreira, diretor-executivo do IEMA.
A Engie, por outro lado, foi a empresa que liderou as emissões de GEE por eletricidade gerada com 1.156 tCO2e/GWh — quase o dobro da média observada (637 tCO2e/GWh). Em 2022, ela era acionista da Pampa Sul, usina que se destaca negativamente por sua alta intensidade de emissão. Entretanto, em junho de 2023, a Engie concluiu a venda dessa planta para um fundo de investimentos gerido pelas companhias Starboard e Perfin.
Poluição do ar
O “3º Inventário de emissões atmosféricas em usinas termelétricas” também buscou apresentar as emissões de gases poluentes como óxidos de nitrogênio das plantas analisadas – vale lembrar que eles diferem dos gases de efeito estufa. As dez termelétricas com maiores emissões de óxidos de nitrogênio, que forneceram informações à base de dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), estão respectivamente localizadas nos municípios de: Capivari de Baixo (SC), Duque de Caxias (RJ), Canoas (RS), Cubatão (SP), São Francisco do Conde (BA), Linhares (ES), Alto dos Rodrigues (RN) e Candiota (RS).
Os óxidos de nitrogênio são poluentes emitidos em grandes quantidades por qualquer termelétrica fóssil. Sua presença no ar em concentrações elevadas está associada a uma variedade de preocupações ambientais, como a ocorrência de chuva ácida, e de saúde pública, incluindo enfermidades respiratórias. No entanto, dos 41 municípios onde estão instaladas as usinas termelétricas que operaram em 2022, 20 não têm estações oficiais de monitoramento da qualidade do ar. “Isso evidencia lacunas da rede brasileira de monitoramento da qualidade do ar, o que impossibilita a verificação adequada dos riscos à saúde a que estão expostos os habitantes que vivem na área de influência dessas instalações”, comenta Helen Sousa, coautora do estudo.
Ainda assim, na contramão dessa escassez de informações, diversos projetos termelétricos estão sendo considerados para implementação em locais sem monitoramento da qualidade do ar e onde já há esse tipo de empreendimento em operação. Além das emissões de gases de efeito estufa e de poluentes do ar, a geração termelétrica fóssil provoca uma série de outros problemas ambientais como estresse hídrico por conta da utilização de água para resfriamento de sistemas ou competição no despacho de energia com fontes renováveis. Ademais, a geração por termelétricas contribui significativamente para o encarecimento das contas de eletricidade.
Sobre o inventário de usinas termelétricas
Elaborado pelo IEMA anualmente, esta é a terceira edição do estudo que analisa as emissões de GEE, de poluentes atmosféricos e a representatividade das termelétricas brasileiras de serviço público e autoprodutoras – usinas acopladas a indústrias para suprirem essencialmente suas próprias demandas por eletricidade – que disponibilizaram energia ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Os dados excluem as plantas movidas a combustíveis renováveis e as unidades para as quais não foi possível identificar os combustíveis empregados. A geração termelétrica nos Sistemas Isolados (Sisol), supridos por pequenas ou médias usinas com pouca disponibilidade de informações, também está fora do escopo. As análises se referem, respectivamente, aos anos de 2020, 2021 e 2022. O recém lançado estudo e suas versões anteriores estão disponíveis no site do IEMA.
Breve contexto
Ainda que a elevada participação fóssil em 2021, devido à crise hídrica, e a subsequente queda em 2022, representada no atual estudo, possam ser consideradas atípicas, existe um aumento consistente na utilização de termeletricidade fóssil. Essa categoria de geração de energia elétrica passou de 30,6 TWh em 2000 para 91,8 TWh em 2020 (aumento de 200%), resultando em uma elevação de 113% nas emissões de GEE de todo o setor elétrico brasileiro, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.
O contexto atual do setor elétrico apresenta riscos para seus planos de descarbonização rumo a uma matriz 100% renovável e para a melhoria da qualidade do ar no país. Mesmo sem demanda, nove projetos termelétricos entraram em operação em 2022, oito deles contratados no leilão emergencial de 2021, o chamado Procedimento Simplificado de Contratação (PCS). Somado a isso, a lei da privatização da Eletrobras, Lei 14.182/2021, prevê a instalação de 8.000 MW em termelétricas a gás nas Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste até 2030. Já a Lei 14.299/2022 busca a postergação de subsídios e da vida útil de usinas a carvão mineral até 2040.