Muita gente riu quando a ex-presidente Dilma Rousseff disse, em 2015, que não era possível “estocar vento”. A fala, porém, revelava um problema real da geração futura de eletricidade no Brasil: como garantir uma oferta constante de eletricidade numa matriz com participação significativa de energia eólica sem queimar mais combustíveis fósseis? O governo Dilma passou, mas a questão colocada pela então presidente permanece sem resposta.
Daqui até 2026, segundo o Plano Decenal de Energia, o país precisará expandir a capacidade instalada de geração dos atuais 150 gigawatts para 213 gigawatts. A energia eólica terá um papel cada vez mais importante, e a capacidade instalada, no cenário de referência, chega a 28,5 gigawatts. A energia solar também se expande, embora de maneira bem mais tímida que a eólica e certamente muito abaixo do potencial brasileiro.
Uma análise publicada na semana passada pelo Iema com base nos dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) mostrou que essa tendência já é notável. As novas renováveis, ou seja, as renováveis excluindo hidrelétricas, saíram de 2% para 12% da matriz elétrica entre 1990 e 2015. É aqui que está o desafio.
Embora tenham evoluído muito em capacidade, as fontes solar e eólica ainda não conseguiram superar o problema da intermitência: se não há sol, as placas não geram; se não há vento, as turbinas não giram. É preciso ter “energia elétrica de plantão” para esses momentos. Avanços nas tecnologias de baterias e de gerenciamento da demanda, redes elétricas inteligentes [“smart grids”] e investimentos em linhas de transmissão ajudarão a enfrentar esse desafio num futuro não muito distante, permitindo simplesmente mover eletricidade de um lugar com menor uso para outro com maior.
Devido às particularidades do regime climático entre as regiões do Brasil, as usinas hidrelétricas com reservatórios também poderiam contribuir, armazenando energia para os períodos sem vento e sem sol. Hidrelétricas são rápidas para despachar energia.
A construção de grandes hidrelétricas, porém, é controversa por uma série de razões. Primeiro, as usinas mais recentes, como Belo Monte, são a “fio d’água”, isto é, seus reservatórios são menores e, efetivamente, elas não servem muito como poupança energética. A retomada de grandes usinas com enormes reservatórios tampouco parece uma resposta adequada e simples de ser efetivada: além dos impactos sociais e ambientais diretos e indiretos, elas podem ser impactadas pelas mudanças climáticas. Os modelos climáticos mostram que as grandes usinas da maior parte do país terão reduções importantes de vazão nas próximas duas ou três décadas, mesmo em cenários moderados de emissão.
Assim, pode ser sensato poupar as hidrelétricas existentes para períodos de ventos magros e pouco sol. Mas o Brasil não pode prescindir de gerar uma parcela significativa de eletricidade por meio de usinas que operem na base, praticamente de forma contínua; papel este que vem sendo desempenhado, desde longa data, pelas usinas hidrelétricas. O desafio que se apresenta é evitar, ao máximo, que esse papel seja transferido para usinas termelétricas a combustível fóssil ou usinas nucleares. É preciso encontrar soluções de baixo carbono que, ao mesmo tempo, não imponham impactos sociais e ambientais inaceitáveis em nível local.
Uma possível alternativa que merece avaliação é o uso de biomassa para geração termelétrica, que pode ser viabilizada pelo reflorestamento de áreas degradadas e pela ampliação da cogeração a partir de bagaço de cana nas usinas de açúcar e álcool. Parece oportuno que a sociedade brasileira discuta a pertinência da ampliação das chamadas florestas energéticas – plantações de eucalipto – para alimentar usinas termelétricas.
Há decerto ciladas potenciais que demandarão políticas públicas, planejamento e controle social para que esse uso da biomassa se dê de forma ambientalmente adequado e socialmente justo: “vazamento” do desmatamento à medida que as plantações de eucalipto avancem, implantação de usinas termelétricas em áreas com problemas de qualidade do ar ou em bacias hidrográficas críticas e utilização de sistemas de resfriamento que demandam grandes vazões de água.
No entanto, num país que é 22% pasto e que há tantas pastagens mal aproveitadas, parece razoável trabalhar para uma expansão civilizada da geração termelétrica a biomassa, de modo a contribuir para que as hidrelétricas “estoquem vento” e auxiliem uma expansão mais ambiciosa do uso da energia eólica e solar fotovoltaica no Brasil.
André Ferreira é diretor-presidente do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), uma das organizações integrantes do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Planeta, da revista Época.