Medidas legislativas para melhorar a regulação e estabelecer incentivos e salvaguardas para projetos que implementem a necessária transição energética no Brasil são positivas, desde que esses esforços sejam direcionados para fontes energéticas renováveis, sustentáveis e sem provocar custos socioambientais e econômicos à população. Nesta pauta, gostaríamos de destacar o projeto de lei (PL) 327, que estabelece o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten).
Esse programa tem como foco principal a criação de instrumentos de apoio e estímulo a projetos classificados como sendo de “desenvolvimento sustentável”. Entre essas ferramentas, destacam-se a criação do Fundo de Garantias (Fundo Verde) e a possibilidade de utilização do instrumento da Transação Tributária.
Contudo, a versão aprovada na Câmara dos Deputados, no dia 21 de março (quinta-feira), apresenta uma alteração preocupante em relação ao texto original. No Artigo 3º, parágrafo 1o, inciso II, foi incluído, por emenda da relatoria, o gás natural para a “expansão da produção e transmissão de energia elétrica”. Ou seja, o gás entra no rol das fontes passíveis de apoio para expansão da produção e transmissão de energia elétrica, o que torna as novas térmicas à gás e os gasodutos elegíveis dentro do Paten.
A inclusão do gás natural enquanto opção para a descarbonização da matriz elétrica global atrasa a transição energética e canaliza investimentos de longo prazo em um combustível que não deveria ser utilizado para além de 2040. Ainda que o uso do gás seja estratégico para o setor industrial, quando se trata do setor elétrico, para atender aos desafios de descarbonizar uma matriz elétrica em crescimento, é necessário qualificar as fontes e tecnologias capazes de proporcionar a transição energética em tempo hábil, com benefícios técnico-econômicos e socioambientais.
O adequado é equilibrar a integração das fontes renováveis solar e eólica com o sistema elétrico existente, consequentemente, tornando-o mais resiliente. Essa adaptação inclui reforçar as redes de transmissão e rever a atribuição das hidrelétricas. O processo também deve amplificar esforços para aumentar ganhos de eficiência energética em todos os usos finais, bem como mecanismos de gerenciamento do lado da demanda. Por fim, é preciso ampliar condições para o desenvolvimento do mercado de tecnologias de armazenamento de energia, que trarão contribuição significativa para a segurança e à resiliência do sistema, então, descarbonizado.
As propostas citadas acima estão devidamente contempladas no texto atual do projeto. No entanto, a função do gás natural no sistema deveria se restringir ao atendimento presente de demanda de pico em momentos críticos, ação que já está sendo endereçada pelo Ministério de Minas e Energia na estruturação do próximo Leilão de Reserva de Capacidade, a ser realizado em agosto.
A extrapolação do uso do gás em usinas ainda a serem construídas para operar até 2040 ou além, pretendida em diferentes jabutis em outros PLs presentemente analisados pelo parlamento, atrasarão a ambição climática do Brasil, deixando uma fatura de ativos encalhados, contas mais altas de luz e impactos sociais e ambientais.
A Coalizão Energia Limpa é um grupo brasileiro de organizações da sociedade civil comprometido com a defesa de uma transição energética socialmente justa e ambientalmente sustentável no Brasil. O grupo foi formado a fim de exercer o posicionamento crítico ao papel do gás na matriz elétrica e defender a descontinuação de seu uso até 2050. Fazem parte dele: Instituto de Defesa de Consumidores (IDEC), ClimaInfo, Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Instituto Internacional ARAYARA.org, Instituto Pólis e o Observatório da Mineração.
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