As vencedoras e vencedores e as instituições organizadoras do Prêmio MapBiomas se reuniram em cerimônia de entrega aberta ao público para debater o uso do solo e a infraestrutura do Brasil e apresentar os trabalhos premiados. O evento aconteceu na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/ USP), dia 2 de maio. Na ocasião, Tasso Azedo, coordenador geral do MapBiomas, revelou que lançará a chamada para a segunda edição do prêmio já em agosto deste ano. Na plateia estavam representantes das instituições organizadoras, familiares e amigos dos premiados, alunos e professores da universidade e outros interessados.
A premiação teve início com Tasso Azevedo, engenheiro florestal coordenador geral do MapBiomas, apresentando este projeto que tem como objetivo acompanhar a cobertura e uso do solo no Brasil ao longo dos anos com um mapeamento dessas mudanças. De acordo com Azevedo, o motivador desse projeto foi o fato de que o Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa no mundo, sendo que 71% das emissões de poluentes vem do uso da terra. Ele também ressaltou que 13% das florestas do planeta estão no Brasil e 25% do carbono estocado estão nessas florestas. “Através de sensoriamento remoto, desde 1980 é possível monitorar o desmatamento no Brasil. Entre 1990 e 2015, mais de 60 fontes de emissões foram estudadas e, no Brasil, gerados três mapas de uso da terra que demoraram cerca de um ano e meio para serem concluídos (1994, 2002 e 2010)”, explicou.
O MapBiomas utiliza imagens públicas de satélite que são geradas para todo o globo desde desde 1985, realizando o processamento pixel a pixel, em áreas de 30 m x 30 m, com um armazenamento em nuvem. “Todo o cruzamento de dados está disponível abertamente na plataforma do MapBiomas, uma fonte de pesquisa sobre os mais de cinco mil municípios do Brasil. É possível fazer vários recortes e cruzamentos dos dados que são gerados por diversas organizações ao longo do ano, um trabalho colaborativo onde os códigos e a ciência gerada se multiplicam muito rápido”, disse Azevedo. “A motivação de criarmos o Prêmio é poder aumentar o acesso aos dados, ampliar o seu uso para diversas formas de pesquisa e estimular a produção de ciência”, completou.
Debates indicaram mudanças no país
Em seguida, especialistas debateram a “Mudança de uso da terra e infraestrutura no Brasil” com mediação da professora Sueli Furlan, chefe do Departamento de Geografia (FFLCH/USP). Os convidados foram Marcos Rosa, pesquisador da FFLCH e do MapBiomas, que comentou sobre três décadas de mudanças de uso da terra no Brasil; Tiago Moreira dos Santos, do Instituto Socioambiental (ISA), que mostrou um pouco da infraestrutura e consolidação territorial de Terras Indígenas; e David Tsai, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), que falou sobre planejamento de infraestrutura e avaliação de riscos socioambientais.
Segundo Marcos Rosa, a série histórica de uso da terra do MapBiomas (1985 – 2017) gerou 30 anos de mapas em três anos. Isso possibilitou que, para cada classe de cobertura ou uso do solo, haja uma coleção de 33 mapas e um mapa integrado único para cada ano. “É a primeira vez que se produz mapas comparáveis ao longo dos anos no Brasil”, contou. “Para isso, eliminamos das imagens as sombras e as nuvens construindo um mosaico e levamos em conta as áreas estáveis, que são locais que nunca mudaram sua cobertura e servem de massa comparável ao longo dos anos”, explicou Rosa sobre a tecnologia adotada e referência para a pesquisa ambiental no país.
David Tsai falando sobre o transporte de cargas no Brasil
Em seguida, David Tsai do IEMA apresentou o cenário de como são transportadas as cargas no Brasil usando a malha ferroviária, hidroviária e rodoviária disponíveis com o foco em logística, com base no plano da Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Também fez projeções sobre como deve ser o transporte no Brasil. Tsai mostrou que os produtos de mineração têm seu escoamento majoritário via ferrovias. E apenas 6% da carga transportada no Brasil é granel agrícola como soja, e os grandes projetos de infraestrutura para atender a essa demanda carecem de avaliações de riscos socioambientais associados e análise de alternativas.
“O debate sobre o investimento em infraestrutura no Brasil é peculiar, pois na prática o setor privado é muito presente no planejamento desde a apresentação da demanda, porém a sociedade civil e os movimentos sociais ou de resistência local só aparecem quando a obra já está acontecendo. É nosso desafio abrir caminhos para intervir no planejamento com transparência”, afirmou. O IEMA pretende adotar os dados do MapBiomas para trabalhar o tema do planejamento e logística de modo a integrar o olhar para as questões socioambientais, por meio de uma avaliação ambiental estratégica e um debate com a sociedade sobre os cenários, incorporando os riscos sociais e ambientais na avaliação de alternativas para a rede de transporte como emissões de gases de efeito estufa, áreas de conservação e protegidas e impactos nas comunidades.
Por fim, Tiago Moreira dos Santos apresentou a plataforma “Terra +” que avalia a consolidação territorial das terras indígenas com um sistema de sete indicadores compilados a partir do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA, apresentando as características gerais da situação territorial ambiental e de governança de cada território. “O índice de Integridade Ambiental dentro de terras indígenas avalia o índice de focos de calor e a proporção de áreas queimadas”, explicou. Segundo os dados, em 2017 houve recorde de focos de calor em áreas indígenas em todo o país. E eles mostram que a ausência de reconhecimento legal das terras indígenas gera uma menor integridade ambiental, o que também se relaciona com o baixo índice de estabilidade jurídica. Indicadores que se complementam.
Vencedores da primeira edição do Prêmio MapBiomas
Na Categoria Jovem, em primeiro lugar foi premiado o trabalho de Douglas Cirino e seus colegas da Universidade Federal do ABC (UFABC), que abordou como os atropelamentos da espécie Cerdocyon thous (cachorro-do-mato) em estradas no Brasil podem estar relacionados com mudanças na cobertura e uso da terra. Essa é a espécie de vertebrado mais atropelada no Brasil. Estima-se que cerca de 475 milhões de vertebrados morrem no Brasil por ano, outras estimativas são de 14,7 milhões. “Um meio termo entre isso deve ser a realidade”, afirmou Cirino. Como conclusão, a pesquisa mostrou que a maior incidência de atropelamentos ocorre em áreas onde existe agropecuária mais as distâncias dos corpos de água. “Os animais têm comportamento de evitação das estradas, mas sofrem com isolamento de recursos e populacional”, contou o pesquisador. Além disso, alertou que a área de ocorrência da espécie está se expandindo para regiões da Amazônia, o que antes não acontecia. Isso pode significar um risco para outras espécies em relação à disputa por território e alimento. “Em pesquisas usando mapeamentos nem tudo se resume a áreas preservadas ou animais ameaçados de extinção, é preciso olhar o território como um todo para encontrar respostas”, disse Cirino.
O trabalho de Ana Paula M. Silvia, em coautoria com Pâmela Assis, ambas da Universidade Federal de Goiás (UFG), ganhou o segundo lugar da Categoria Jovem. Elas analisaram a influência das infraestruturas de transporte e energia no uso e cobertura da terra no município de Jataí, em Goiás. O município apresenta intensas modificações na paisagem desde a década de 1980 devido a expansão da fronteira agrícola. A análise identificou que com o aumento do agronegócio, principalmente em commodities, a localidade vem recebendo investimentos em obras de infraestrutura como mais rodovias federais e estaduais, implementação de subestação de energia e linhas de transmissão, pequenas centrais hidrelétricas, aeródromos e usina de etanol. Estes investimentos, por sua vez, influenciaram em um acréscimo de 16% das áreas destinadas a agricultura anual e perene, além do surgimento de áreas de mineração e cultivo de cana de açúcar. Ao mesmo tempo, a área de vegetação nativa que cobria 35% do município em 1985 foi reduzida para 24% em 2017.
Gabriel Frey em parceria com outros pesquisadores do Center for Development Research, Bonn (Alemanha), celebrou a vitória em segundo lugar da Categoria Geral. Seu trabalho desenvolveu um modelo para identificar as áreas sob alto risco de expansão da soja, auxiliando assim os esforços de conservação na região da Amazônia. A expansão do cultivo de soja tem sido um dos principais vetores diretos ou indiretos de expansão da agropecuária sobre as áreas de vegetação nativa no Brasil. O país alcançou os Estados Unidos nas áreas destinadas ao plantio de soja. Além dos quase três mil hectares de soja plantada na Amazônia Legal em 2014, a pesquisa identificou outros 14 mil com possibilidade de receber o plantio. “O maior risco de expansão da soja está no arco do desmatamento da Amazônia e no Pará. E esse risco aumenta conforme a infraestrutura melhora”, explicou Frey. Ao simular como as potenciais melhorias futuras na infraestrutura afetariam as probabilidades de ocorrência de soja na região, o resultado encontrado foi o aumento em até 14,6% da área da Amazônia Legal sob alto risco de conversão da soja. Se isso ocorrer na prática, pelo menos 4,8 Pg de CO2 (1 Pg = 1 bilhão de toneladas) poderiam ser liberados na atmosfera, um valor que representa dez vezes o total de emissões de CO2 do Brasil em 2014. “É importante direcionar ações e políticas públicas em investimentos em infraestrutura para não aumentar a expansão da soja”, alertou.
E o vencedor do primeiro lugar da Categoria Geral foi Felipe Nabuco do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em coautoria com Rodrigo Nóbrega da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O trabalho apontou os desafios associados à expansão da rede de transmissão de energia no Brasil e como é possível aprimorar a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) de Sistemas de Transmissão de Energia. “Todos os impactos estão associados diretamente ao desmatamento”, alertou Nabuco. Por meio de inteligência geográfica que utiliza os dados de uso da terra do MapBiomas em uma modelagem espacial, a pesquisa mostra que é possível subsidiar análises de licenciamento ambiental. “Linhas de transmissão de energia são concessões públicas, com essa pesquisa é possível melhorar o projeto e mitigar os impactos ambientais aprimorando assim o licenciamento com transparência”, explicou Felipe. “O MapBiomas usa dados atualizados onde dá para incluir variáveis no modelo para ver como será o uso do solo. Assim, podemos empregar cenários e impactos para melhorar o que sai do licenciamento”, ressaltou o pesquisador.
Sobre o Prêmio MapBiomas
Esta é a primeira edição do Prêmio MapBiomas que estabeleceu como premissa para os inscritos a utilização das séries históricas de uso e cobertura da terra no Brasil disponibilizados na plataforma do MapBiomas. Na ferramenta é possível analisar os dados de cobertura e uso da terra por diversos recortes territoriais como estados, biomas, municípios, bacias hidrográficas e áreas protegidas, além de dados de infraestrutura de energia e transporte. A primeira edição Prêmio MapBiomas é uma iniciativa conjunta da rede de instituições do MapBiomas, do Instituto Energia e Meio Ambiente (IEMA) e do Instituto Escolhas com apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS).
Fotos: Sandro Kakabatze
*Com texto de Aline Cristina Souza, Instituto Escolhas