Combustíveis fósseis e atividade agropecuária elevam emissões no Sul

Setores de energia e agropecuária são as principais fontes de GEE na região, mostra SEEG Municípios

A atividade pecuária e o setor de energia aparecem como as principais fontes de gases de efeito estufa entre os municípios mais emissores no Sul do país. A região liberou 195 milhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e) na atmosfera em 2018, o correspondente a 10% do total nacional. A agricultura e a pecuária respondem pela maior parte (46%) desse total, enquanto o uso e a produção de energia correspondem a 33% do volume de gases liberado na região naquele ano. Os dados contam da primeira edição do SEEG Municípios, uma iniciativa do Observatório do Clima. O cálculo considera o CO2 e outros gases de efeito estufa, como metano (CH4) e óxido nitroso (N2O).

À primeira vista, chama a atenção Capivari de Baixo (SC) ter no setor de energia sua principal fonte de emissões. Essa característica geralmente está associada a municípios mais populosos, com elevado consumo de combustíveis fósseis nos transportes. Não é o caso do município catarinense, que tem uma população de cerca de 25 mil habitantes, e ainda assim figura como o mais emissor em toda a região Sul.

Aproximadamente 99,5% das emissões de Capivari de Baixo são provenientes do setor de energia devido sobretudo ao conjunto termelétrico a carvão instalado na cidade, explica Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), organização responsável por compilar as informações sobre esse setor. 

“O complexo Jorge Lacerda, construído na década de 1960, dispõe de três usinas com capacidade instalada de 857 megawatts”, diz Barcellos. Isso faz do município o maior emissor do Brasil por área: cerca de 85 mil toneladas de CO2e emitidas por quilômetro quadrado (Km2). A eletricidade gerada por fontes não renováveis e poluentes, como o carvão queimado em termelétricas, serve para completar a geração das hidrelétricas, principalmente em períodos de seca, quando os reservatórios das barragens estão nos seus níveis mais baixos. 

Nas capitais Curitiba (PR), Florianópolis (SC) e Porto Alegre (RS) as emissões de gases de efeito estufa decorrem do consumo de energia, especialmente nos transportes. Florianópolis é considerada a “capital do motor”: 63% das emissões do município vêm de veículos a combustão. Logo abaixo na lista aparece Curitiba, com 60%, seguida por Brasília (59%). “Em 2000, o Sul havia emitido 49,9 milhões de toneladas de CO2e no âmbito do setor de energia. Em 2018, foram 63,9 milhões de toneladas de CO2e”, informa Barcellos. 

Outro fator relevante na conta das emissões no Sul é o refino e o processamento de petróleo para a produção de diesel e gasolina, além de outros derivados, concentrada especialmente nos municípios de Canoas (RS) e Araucária (PR). Já em cidades como Balsa Nova e Adrianópolis, no Paraná, grande parte das emissões provém do uso de combustíveis em processos de transformação em indústrias de cimento. 

No quadro geral, as emissões do Sul aumentaram se comparadas com o total registrado no ano de 2000, quando a região emitiu 191 milhões de toneladas de CO2e. Além do setor de energia, a agropecuária também contribuiu para elevar as quantidades de gases de efeito estufa liberados na região. Nessa categoria, as emissões subiram de 79 milhões de toneladas de CO2e em 2000, para 90 milhões de toneladas em 2018.

A maioria dos municípios mais emissores nesse setor está no Rio Grande do Sul, informa Renata Potenza, coordenadora de projetos do Imaflora, uma das entidades que participaram do levantamento. “O estado corresponde a 50% das emissões provenientes da agropecuária na região Sul, devido à produção de gado de corte e de leite e ao cultivo de arroz.” É o caso, por exemplo, das cidades gaúchas de Alegrete, Uruguaiana e Sant’Ana do Livramento. No Paraná, os municípios de Castro e Toledo despontam como grandes produtores na pecuária. 

“A chamada fermentação entérica é um dos fatores que contribuem para as emissões no âmbito da agropecuária”, diz Potenza. Ela se refere ao processo de digestão do rebanho bovino, durante o qual os animais liberam gás metano via eructação – o popular “arroto” do boi. Já o arroz, quando cultivado em campos inundados ou em áreas de várzea (como é feito na maior parte do Brasil), é uma importante fonte de emissão de gás metano, em razão da decomposição anaeróbica de matéria orgânica na água. 

As emissões provenientes do setor de resíduos também aumentaram no Sul. A liberação de gases de efeito estufa, nessa categoria, saltou de 8,5 milhões de toneladas de CO2e em 2000, para 14,3 milhões de toneladas em 2018. “Embora responda por apenas 5% das emissões brutas do Brasil, o tratamento de resíduos é uma fonte importante para as cidades, especialmente as mais populosas”, analisa Iris Coluna, engenheira ambiental do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade. 

O Sul responde por 15% das emissões nacionais provenientes do descarte de resíduos. A cidade de Curitiba (PR) lidera esse setor, com aproximadamente 1 milhão de toneladas de CO2e liberados em 2018, seguida por Porto Alegre (RS), Londrina (PR) e Joinville (SC). 

A única atividade que apresentou redução das emissões no Sul do país foi a de mudanças de uso da terra e florestas, em sua maior parte provenientes do desmatamento. Em 2000, a região havia emitido 50,3 milhões de toneladas de CO2e; já em 2018, a taxa caiu para 22,5 milhões de toneladas de CO2e. 

“Regiões que não mais apresentam grandes alterações de uso da terra possivelmente indicam que muitas áreas de vegetação nativa já foram degradadas em décadas anteriores”, avalia Bárbara Zimbres, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). 

“Além disso, a região Sul tem menos grilagem de terras públicas ou áreas indígenas quando comparada à região Norte. Isso porque as terras do Sul são menores em extensão e, portanto, mais fáceis de serem fiscalizadas”, comenta Zimbres. Mesmo assim, ela explica que é possível identificar grandes emissores nessa categoria, especialmente municípios do Paraná, entre eles Prudentópolis, Lapa, Guarapuava e Cerro Azul.

O levantamento do Observatório do Clima não é feito só de emissões. As análises também levam em consideração ações de remoção de gases de efeito estufa colocadas em prática nos municípios. “É possível remover CO2 da atmosfera a partir de alterações de cobertura e uso da terra”, afirma Zimbres. “Isso pode ser feito por meio do manejo de áreas protegidas, como terras indígenas, ou de florestas secundárias, formadas em áreas degradadas.”

Mesmo com altas taxas de desmatamento, Prudentópolis e Guarapuava conseguem remover volumes consideráveis de carbono da atmosfera, reduzindo as chamadas emissões líquidas. Ao todo, o Sul foi responsável pela remoção de 29,8 milhões de toneladas de CO2e da atmosfera em 2018, graças à vegetação secundária, principalmente no Paraná.

Para Iris Coluna, um dos méritos do SEEG Municípios é disponibilizar dados locais para que cada cidade possa elaborar suas próprias estratégias de redução de emissões. “Ter acesso a esse tipo de informação é importante, porque permite que o município compreenda sua realidade ambiental e enfrente os problemas de maneira mais efetiva.”

Na visão do engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador-geral do SEEG, o levantamento fornece informações para que gestores municipais e outros atores sociais possam se concentrar exclusivamente na elaboração de planos e políticas públicas.

“Até hoje, menos de 5% dos municípios brasileiros tinham algum inventário de emissões de gases de efeito estufa. Como os dados são disponibilizados de forma aberta e gratuita, significam também uma enorme economia de recursos públicos, que podem ser direcionados em ações para reduzir emissões”, observa Azevedo.

Os dados completos estão disponíveis na plataforma seeg.eco.br.

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Sobre o Observatório do Clima: rede formada em 2002, composta por 63 organizações não-governamentais e movimentos sociais. Atua para o progresso do diálogo, das políticas públicas e dos processos de tomada de decisão sobre mudanças climáticas no país e globalmente. Site: www.oc.eco.br.

Sobre o SEEG: O Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa foi a primeira iniciativa nacional de produção de estimativas anuais de emissão para toda a economia. Ele foi lançado em 2012 e incorporado ao Observatório do Clima em 2013. Hoje, é uma das maiores bases de dados nacionais sobre emissões de gases estufa do mundo, compreendendo as emissões brasileiras de cinco setores (Agropecuária, Energia, Mudança de Uso da Terra, Processos Industriais e Resíduos). As estimativas são geradas segundo as diretrizes do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), com base nos Inventários Brasileiros de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).

Atuaram no SEEG Municípios pesquisadores das ONGs: Ipam e Imazon (Mudança de Uso da Terra), Imaflora (Agropecuária), Iema (Energia e Processos Industriais) e ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade (Resíduos). O SEEG Municípios é apoiado pela União Europeia, por meio do Instrumento de Parceria da UE e o Ministério do Meio Ambiente da Alemanha (SPIPA/EU-BMU), pela Climate and Land Use Alliance e pelo Instituto Clima e Sociedade.

This event has been organised with the financial support of the European Union’s Partnership Instrument and the German Federal Ministry for the Environment, Nature Conservation, and Nuclear Safety (BMU) in the context of the International Climate Initiative (IKI). The opinions expressed are the sole responsibility of the speakers and do not necessarily reflect the views of the funders.