COP27 consegue avançar com a justiça climática, mas retrocede em questões essenciais de transição energética justa

Setor de transportes foi pouco abordado e termelétricas seguem como opção à transição energética

A expectativa era de que o tema justiça climática seria o destaque na Conferência das Partes (COP27). Afinal, o evento no qual as nações debatem e buscam firmar acordos para o enfrentamento às mudanças climáticas, promovido pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), se deu no Egito, um país africano. E parece que o oráculo estava certo. A participação da sociedade civil brasileira se consolidou e foi criado o fundo de perdas e danos para países vulneráveis. Por outro lado, a presença de empresas e de representantes de setores emissores como do petróleo e do gás também foi faraônica no encontro que aconteceu entre os dias 8 e 20 de novembro, no balneário luxuoso de Sharm el Sheikh.

Enquanto o atual governo federal deixou de lado a liderança brasileira na diplomacia climática mundial, a sociedade civil do país se organizou para estar presente nos encontros anuais. No decorrer destes quatro anos, a participação dela aumentou unindo ambientalistas de todo o mundo. Sendo parte desse movimento, o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) buscou participar de mais discussões e levar novidades para os debates. Entre elas, em 2022 destacam-se duas: o alerta sobre o aumento progressivo das emissões brasileiras e o lançamento da Coalizão Energia Limpa – transição justa e livre do gás.

Transição energética e poluição do ar

Representantes do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do qual o IEMA faz parte e coordenado pelo Observatório do Clima, apresentaram o balanço atual das emissões brasileiras no Brazil Climate Action Hub – espaço na COP organizado e promovido por representantes da sociedade civil brasileira desde 2019. Na contramão do cumprimento do Acordo de Paris, as emissões do país aumentaram 20% nos últimos sete anos, saindo de 1,4 bilhões de toneladas em 2015 para 1,8 bilhões de toneladas em 2021. Essa trajetória contradiz o atual comprometimento do Brasil. O plano é chegar no ano de 2025 emitindo no máximo 1,6 bilhão de toneladas e, em 2030, vendo esse montante reduzir para 1,3 bilhão de toneladas.

Além de estimar as emissões históricas, a equipe do SEEG tem atuado na construção de um cenário futuro melhor. Por exemplo, neste semestre, vem colaborando com o primeiro Plano de Ação Climática do estado de São Paulo, quantificando o efeito das medidas propostas nas emissões de gases de efeito estufa. O plano foi apresentado na COP27 e, atualmente, segue em consulta pública. O documento elaborado faz parte do compromisso global Race To Zero, ao qual São Paulo aderiu buscando zerar as emissões até 2050. Ele foi liderado pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SIMA/SP) e também contou com a participação de membros da academia incluindo os professores Paulo Artaxo e Gilberto Jannuzzi. 

Outra novidade foi o lançamento oficial da Coalizão Energia Limpa – transição justa e livre do gás formada pelo IEMA, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Instituto Internacional Arayara, ClimaInfo, Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e Instituto Pólis. Seu principal objetivo é uma transição energética justa capaz de reduzir a participação do gás natural na matriz elétrica brasileira até 2050. O evento, também realizado no Brazil Climate Action Hub, contou com a participação do DIEESE, Sindipetro e dos parlamentares Pedro Campos e Jean Paul Prates. Este foi um dos responsáveis pela transição energética em curso no Rio Grande do Norte, estado conhecido pela produção onshore (em terra) de petróleo e, hoje, um dos campeões em geração eólica.

Também ocorreu na COP 27 o encontro interministerial da Coalizão Clima e Ar Limpo (CCAC, em inglês), na qual ministros e líderes do grupo anunciaram novas ações colaborativas e reafirmaram compromissos para reduzir poluentes atmosféricos, a fim de proteger a saúde e evitar mais impactos socioambientais globais. Para o encontro, o IEMA destacou que a sociedade civil brasileira tem contribuído para enfrentar o problema duplo – mudanças climáticas e poluição do ar. Após o Acordo Global do Metano firmado na COP 26 em Glasgow (Escócia), onde o Brasil assinou o compromisso pela redução de emissão do gás em 30%, o IEMA concluiu via SEEG que o país pode reduzir suas emissões de metano em 36% até o ano de 2030, tendo como referência as emissões de 2020.

Para isso, o grupo recomendou ações em diversos setores da economia como zerar o desmatamento com indícios de ilegalidade. Vale lembrar que o metano colabora para a formação de ozônio, um poluente do ar na baixa atmosfera. Outra ação do IEMA para o encontro do CCAC foi ressaltar a deficiência brasileira no monitoramento da qualidade do ar. A maioria dos estados, incluindo todos os amazônicos cujos habitantes sofrem com os episódios críticos de queimadas, não tem sequer uma única estação de monitoramento. Construir um sistema nacional de monitoramento da qualidade do ar seria uma conquista que o novo governo federal deveria perseguir.

Infelizmente, na COP 27 menos se abordou sobre o setor de transportes em geral, como mobilidade urbana e transportes de carga. Os organizadores da conferência costumam destinar dias específicos temáticos, como o Dia do Transporte que o IEMA acompanha desde 2019. Porém, este ano o tema não entrou na pauta principal. Outra baixa foi a Cúpula dos Povos (People’s Summit), evento paralelo organizado por movimentos, coletivos, ativistas e defensores dos direitos humanos. Dessa vez, ele aconteceu em setembro nos Estados Unidos, e não simultaneamente à COP no país sede.

Sociedade civil brasileira estabelecida

Assim como na Conferência das Partes do ano passado, a avaliação positiva sobre a atuação da sociedade civil foi consenso entre os participantes. O Brazil Climate Action Hub apresentou um contraponto importante ao exposto nos outros dois pavilhões brasileiros, o do governo federal e o dos estados da Amazônia. Recebeu convidados ilustres da resistência ao retrocesso social e ambiental dos últimos quatro anos e entregou propostas de reconstrução ambiental e climática do Brasil ao governo de transição e diretamente ao Luiz Inácio Lula da Silva. Aliás, o presidente eleito foi um grande destaque da Conferência do Clima no Egito, assumindo o papel de líder climático em um encontro sem protagonistas. Ele ressaltou a responsabilidade do Brasil de zerar o desmatamento da Amazônia e de acelerar a transição energética.

No Brazil Climate Action Hub, o IEMA e o Instituto Internacional Arayara promoveram, por meio da Coalizão Energia Limpa, o painel “Racismo Energético e Ambiental – Soluções a partir da Transição Energética Justa, Popular e Inclusiva”, que incluiu representantes de comunidades indígenas e quilombolas. O racismo energético e ambiental está relacionado tanto à falta de acesso a energia e a serviços ambientais limpos, como também à privação de representação dessas comunidades nos processos de planejamento para as tomadas de decisão. 

O IEMA também participou de dois debates promovidos pela organização Uma gota no Oceano: “Perdas e Danos, Gênero e Impactos Territoriais”, realizado no Brazil Climate Action Hub; e “Vinculação de projetos energéticos locais às NDCs e a transparência dos relatórios climáticos nacionais”, pela primeira vez se apresentando na área de eventos oficiais organizados pela UNFCCC. No primeiro evento, foi ressaltada a contribuição negativa do Brasil nas emissões do setor elétrico dos próximos anos, com a aprovação de leis para a contratação de termelétricas a gás e a extensão de subsídios e da vida útil de termelétricas a carvão. Já o segundo fez uma crítica à implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, em inglês), metas de cada nação para diminuir suas emissões de gases de efeito estufa em diferentes países com relação à falta de ambição, transparência e participação popular. 

Resultado das negociações entre países

Essa foi de fato uma COP voltada para a justiça climática. Quando nada parecia firmar, ao fim do evento, os países debatedores conseguiram estabelecer a criação de um fundo de perdas e danos para os países vulneráveis mais impactados pelas mudanças climáticas. O fundo, um ponto sem consenso ao longo das últimas conferências, ficará como legado das negociações de Sharm el Sheikh. Vale ressaltar que a estruturação dele, os estabelecimento dos recursos e a definição de quais países são mais vulneráveis serão discutidos nas próximas edições da conferência.

Por outro lado, a ação concreta sobre os principais causadores das mudanças climáticas, os combustíveis fósseis, retrocedeu no texto final da conferência. O encontro anterior (COP 26) incluiu pela primeira vez o termo “phase down” (redução gradativa) dos combustíveis fósseis em seu texto final, uma nomenclatura que nasceu deficitária em relação ao ideal “phase out” (descontinuidade), mas, ainda assim, simbólica. Já a COP 27 não teve consenso sobre a redução de nenhum dos combustíveis fósseis e o termo foi eliminado do texto. O resultado concretiza o receio de que o gás natural possa ser incluído como combustível de transição. O contraponto foi a inclusão da “necessidade de escalonar investimentos em energias renováveis”, sem a objetividade necessária para orientar o ritmo e o volume de investimentos para que o mundo se sustente na rota de aumento da temperatura abaixo dos 1,5 graus até o fim do século – conforme estabelecido no Acordo de Paris, de 2015. 

Exatas três décadas depois da Eco-92, a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, a Conferência das Partes tornou-se mais do que uma reunião entre países para chegar a consensos referentes à redução da ação humana sobre o aquecimento global. Transformou-se em um local onde o ambientalismo mundial se encontra e, agora, empresários inclusive de setores emissores também se fazem deliberadamente presentes. Devido à tanta pressão econômica e dificuldade de mudar, questões essenciais para essa transformação ficam de fora dos textos oficiais.