COP27: Países deixam de atingir metas climáticas por falta de transparência na divulgação de dados e ausência de diálogo com iniciativas locais

Brasil esteve representado em debate oficial promovido pela ONU sobre projetos energéticos locais e impactos ao clima

Há muito se discute sobre como diminuir as emissões de gases que causam o aquecimento global e o papel dos compromissos assumidos pelos países nessa empreitada. Um estudo divulgado na 27ª Conferência do Clima da ONU, a COP27, em Sharm el-Sheik, no Egito, mostrou que as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), isto é, as metas de cada nação para diminuir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE), não conseguem ser alcançadas pela falta de transparência dos países na divulgação de dados climáticos e pela desorganização e ausência de diálogo dos governos com iniciativas locais  de enfrentamento às mudanças climáticas que já deram certo. É preciso, também, ouvir a sociedade civil e comunidades tradicionais, como povos indígenas na Amazônia.

A análise, feita a partir da realidade de seis países, incluindo Brasil, Colômbia, Burkina Faso, Israel, Geórgia e Suíça, e com a contribuição de várias instituições e organizações não-governamentais locais, foi apresentada e debatida no Painel “Vinculação de projetos energéticos locais às NDCs & a transparência dos relatórios climáticos nacionais”, nesta quarta-feira (16) na Room Akhenaten, Zona Azul da sede da COP27.

Entre os participantes, o brasileiro Ricardo Baitelo, coordenador de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), a convite de Uma Gota no Oceano, falou da realidade vivida pelas comunidades atingidas pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e da falta de transparência estabelecida na gestão do atual governo federal. “Nos últimos quatro anos, o Brasil eliminou as metas setoriais da NDC, o que abriu o precedente para que a redução das emissões no combate ao desmatamento pudesse compensar o aumento de emissões no setor elétrico”, disse Baitelo.

Nos últimos quatro anos o país tem contratado mais termelétricas, comprometendo os acordos climáticos. Ao mesmo tempo, quase um milhão de pessoas na Amazônia seguem sem acesso à energia elétrica. Isso desenha dois detalhes: parte da população brasileira está inserida no sistema interligado nacional, onde até 80% da matriz elétrica é proveniente de fonte renovável (embora a insistência em investir em termelétricas, há um crescimento de usinas eólicas e solares), mas parte das populações isoladas recebem energia elétrica via geradores a diesel e a gasolina. “É importante que essas pessoas tenham acesso à energia elétrica, inclusive para gerar renda, e que esta seja proveniente de fontes renováveis”, afirma Baitelo. É possível fazer uma transição energética justa.

Segundo o estudo divulgado na COP27, apesar desses seis países terem expandido suas energias renováveis em um nível considerado aceitável, as ações de NDC ainda se apresentaram como insuficientes porque vinham sendo implementadas sem transparência e sem participação comunitária, atropelando direitos de povos locais que, geralmente, são os principais atingidos pelas mudanças climáticas. Além disso, as metas dessas nações para uma transição de matriz energética mais limpa não eram ambiciosas como deveriam ser porque seus governos ainda consideravam fazer investimentos e expansão em iniciativas como hidrelétricas, que comprovadamente causam impactos socioambientais catastróficos nessas regiões.

O exemplo brasileiro levantado no estudo é justamente o megaempreendimento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na Bacia do Rio Xingu, nas proximidades do município de Altamira, no Pará, onde residem diversas comunidades ribeirinhas e pelo menos duas comunidades indígenas. Desde que foi implementada e passou a funcionar, a UHE Belo Monte causou uma série de problemas sociais e ambientais para os povos locais e de outras regiões adjacentes, questões expostas por cientistas e ambientalistas à época da elaboração do projeto e também pelas próprias comunidades. Mesmo no auge da estação cheia da Bacia do Xingu, o máximo que UHE Belo Monte consegue produzir é 6.882 MW por mês, bem abaixo dos 11.233 MW prometidos pelos investidores e ao país.

Segundo os cientistas, o primeiro passo para resolver o problema da transparência e permitir que as ações NDCs sejam realmente monitoradas e avaliadas é seguir o método recomendado para a divulgação de dados, isto é, o sistema MRV, ou em português “Monitoramento, Relato e Verificação”, um conjunto de normas de gerenciamento de resultados e impactos de ações climáticas. Na Colômbia, por exemplo, os últimos dados oficiais divulgados sobre emissão de GEE são de 2014, o que torna impossível verificar o quanto as políticas ambientais adotadas nos últimos oito anos deram certo ou não.

Falta participação popular

Sobre a participação da sociedade civil e das comunidades locais na tomada de decisões e ações NDCs, o estudo concluiu que nenhum dos países analisados atingiu com satisfação o envolvimento desses atores sociais. “Sabemos que sem pressão da sociedade a crise climática vai ficar pior e pior, e isso é um grave problema”, afirma o levantamento.

O exemplo máximo dessa desorganização é o caso brasileiro, quando o presidente do fórum oficial de promoção de diálogo entre governo e sociedade civil abandonou o cargo porque não havia diálogo nenhum entre as partes.

Exemplos das realidades dos outros cinco países foram expostas no painel, com a conclusão de que, para as metas NDCs estabelecidas no Acordo de Paris efetivamente serem executadas, isto é, as nações passem realmente a adotar ações que diminuam as emissões de GEE, é necessária mais transparência nos sistemas de divulgação de dados climáticos e que os governos ouçam de fato sociedade civil e as comunidades locais. “Sem transparência e participação, as NDCs não vão servir de nada para ajudar a alcançar os resultados desejados para travar o aquecimento global”, finaliza.