COP30: Mineração para expansão de energias renováveis carece de salvaguardas

Em painel, especialistas apontam riscos, pressões territoriais e fragilidades regulatórias diante da demanda global por minerais para baterias

Em um momento em que governos, empresas e instituições multilaterais celebram metas de descarbonização e expansão das energias renováveis, uma pergunta surge: como fica a mineração de recurso importante para baterias em sistemas de energia como eólica e fotovoltaica?

“A transição energética precisa ser discutida a partir dos seus trade-offs [compensações], já que a gente sai de um momento em que as mudanças climáticas ficam muito em voga e os outros impactos ambientais começam a cair para segundo plano”, diz Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).

O instituto fez parte do painel “Minerais críticos e impactos socioambientais da transição energética”, na Green Zone, (Prédio da Economia Criativa), durante a Conferência das Partes (COP30) para as mudanças climáticas das Nações Unidas, no dia 18 (terça-feira). O encontro debateu os desafios da expansão das energias renováveis diante da crescente demanda por mineração, destacando a necessidade de salvaguardas que protejam territórios, populações e ecossistemas – sejam em áreas de instalação das gerações energéticas ou de mineração dos recursos.

Baitelo também citou que o Brasil está atrasado em relação a outros países latino-americanos nesse debate. “É necessário um número extremamente preocupante de minerais necessários para a transição. O Brasil abastece cadeias globais de minerais críticos e não apenas a demanda interna, o que cria uma situação bastante delicada”, diz.

“O modelo mineral é muito confortável para as empresas porque é baseado em exportações massivas, alta rentabilidade e inúmeros incentivos fiscais”, completa Maurício Angelo, diretor executivo do Observatório da Mineração. “Não haverá dinheiro para fazer tudo. O mundo tem investido mais na indústria militar e em data centers do que em renováveis”.

Segundo dados do Observatório da Mineração, 93 milhões de hectares da Amazônia estão sob interesse do setor mineral, uma área equivalente à soma de Alemanha e França. E ele é categórico: “não existe mineração sustentável. É uma atividade finita que compromete direitos das gerações futuras e gera impactos irreversíveis”.

Em setembro, a coalizão Florestas & Finanças lançou um relatório mapeando os principais credores e investidores das maiores empresas de mineração ligadas aos chamados minerais de transição: foram identificados US$ 490 bilhões em crédito desde o Acordo de Paris, em 2015, e US$ 290 bilhões em investimentos até junho de 2025. 54% dos depósitos destes minerais incidem em terras indígenas e esse número chega a 70% quando consideradas outras populações tradicionais.

“A falta de critérios socioambientais no crédito e investimento permite a expansão da exploração mineral sem garantir salvaguardas, reforçando a necessidade de campanhas por políticas de exclusão e regulação financeira mais rigorosa”, diz Merel van der Mark, coordenadora da Florestas & Finanças.

Segundo pesquisa e relatório feito pela Rainforest Foundation Norway e parceiros, a produção de baterias é responsável por 70% do desmatamento causado por carros elétricos. A demanda por metais na UE atingirá o pico em 2030, chegando a 4,5 milhões de toneladas, à medida que o mercado se desloca para um uso crescente de veículos elétricos. A expansão da mineração relacionada a veículos elétricos pode resultar em 65.200 hectares de desmatamento até 2050. 70% do desmatamento causado por veículos elétricos depende do tipo de tecnologia de bateria utilizada. Baterias que utilizam cobalto, cobre e níquel estão associadas às maiores taxas de desmatamento.

“Mesmo com o desenvolvimento de baterias mais sustentáveis, o Brasil aparece como um dos principais países de origem desses recursos em todos os cenários analisados”, explica Roberta Ramos, assessora de fatores ambientais da Rainforest Foundation.

Diante desse quadro, ela defende políticas como “zonas proibidas” para mineração e critérios rigorosos de consulta e consentimento prévio, além de maior pressão sobre investidores e empresas para garantir responsabilidade socioambiental em toda a cadeia dos minerais críticos.

“A transição energética é um grande lema que é utilizado para avançar e acelerar a implementação desses projetos com o mínimo de salvaguardas, com o mínimo de mecanismos de proteção para direitos e territórios”, diz Rárisson Sampaio, assessor político no Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Segundo Sampaio, o novo marco regulatório brasileiro tem favorecido uma expansão extrativista apoiada pelo Estado, inclusive com subsídios e flexibilizações regulatórias, sem garantir proteção ambiental ou distribuição justa dos benefícios: “É mais daquela lógica de um novo extrativismo”.

E este não é um problema exclusivo do Brasil. Na Colômbia, a mineração tradicional de carvão, ouro ou cobre frequentemente coincide geograficamente não só com os minerais, mas com populações tradicionais e originárias. “Existe uma hierarquização de direitos. Empresas internacionais têm expandido sua atuação não para desativar minas poluentes, mas para redirecioná-las à exploração de minerais valorizados pela transição energética”, explica Santiago Aldana Rivera, coordenador do programa ecologia e sustentabilidade da Fundação Heinrich Böll Stiftung em Bogotá, na Colômbia. “O que está acontecendo é que se está reconfigurando a um novo modelo de mineração, não é para a transição do país, mas para outra transição de outro país”, diz.

Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)
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