O Brasil deu um passo importante para compreender e enfrentar a poluição do ar e as emissões de gases causadores das mudanças climáticas provenientes do transporte rodoviário com o lançamento do “Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários – Ano-base 2024”, publicado hoje, dia 2 de dezembro. Os dados mostram avanços: alguns gases apresentaram queda nas emissões ao longo dos quase 40 anos do início da implantação do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que garantiu a evolução tecnológica dos veículos. Em outros casos, porém, observa-se estabilidade ou até aumento, indicando que a tecnologia veicular, sozinha, é insuficiente para barrar o aumento de emissões. O crescimento da frota e a maior intensidade de uso dos veículos também impulsionam as emissões.
O documento foi elaborado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), sob coordenação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e do Ministério dos Transportes (MT), com apoio da Coalizão Clima e Ar Limpo (CCAC), iniciativa global dedicada a reduzir poluentes climáticos de vida curta.
Os resultados apontam mudanças no perfil das emissões ao longo dos anos. No caso do material particulado, por exemplo, o total emitido caiu ao longo do tempo, especialmente a partir do início dos anos 2000, impulsionado pelos avanços tecnológicos que reduziram a poluição proveniente da combustão. Porém, com a expansão da frota, a participação das emissões do desgaste de pneus e pavimentos aumentou e hoje respondem por cerca da metade das emissões totais deste poluente.
“O lançamento do Inventário representa um passo decisivo para o Brasil na consolidação de políticas públicas orientadas por evidências. Esse importante documento oferece informações essenciais para reduzir emissões, qualificar a gestão ambiental e apoiar a transição para um sistema de transporte mais limpo e sustentável, reforçando o compromisso do país com a saúde pública e a ação climática”, comenta Adalberto Maluf, Secretário Nacional de Meio Ambiente Urbano, Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental do MMA.
Com relação ao aumento de dióxido de carbono equivalente, o estudo mostra que a tendência acompanha o crescimento da frota e o uso mais intenso dos veículos no país. Entre 2012 e 2024, o aumento acumulado foi de aproximadamente 8%. Em 2024, os automóveis responderam por 34% das emissões totais, enquanto caminhões semipesados ficaram com 22%, reforçando a relevância tanto do transporte individual quanto do transporte de cargas na contribuição climática do setor.
“O documento mostra que, embora os avanços nas tecnologias de controle das emissões contribuam para reduzir emissões, eles não são suficientes isoladamente. É necessário considerar também a evolução da frota, o uso de combustíveis e os padrões de mobilidade, que têm influência importante para as emissões”, explica Helen Sousa, pesquisadora do IEMA, uma das autoras do estudo. O documento permite avaliar o efeito de políticas públicas, particularmente do Proconve, que busca reduzir as emissões veiculares.
A atualização traz um panorama que cobre mais de quatro décadas, de 1980 a 2024, e avança ao contabilizar não apenas os principais gases de efeito estufa (dióxido de carbono, metano e óxido nitroso) e os poluentes regulamentados pelo Proconve, como material particulado (gerado pela combustão, mas também o material particulado gerado pelo desgaste de freios, pneus e pista e o black carbon (carbono negro), um poderoso poluente climático de vida curta, incluído nas estimativas pela primeira vez. O estudo analisa as emissões por tipo de veículo, combustível e fase do Proconve.
O inventário é um instrumento central da gestão da qualidade do ar, pois identifica as fontes emissoras e quantifica suas emissões. “Ele atende às diretrizes da Política Nacional de Qualidade do Ar e instrumentaliza os estados para cumprirem com as normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que exigem justamente inventários atualizados pelos estados e assim acessar recursos da União para a gestão da qualidade do ar”, conta David Tsai, gerente de projetos do IEMA e também autor do estudo.
Veja os principais resultados:
● Monóxido de carbono (CO)
Suas emissões tiveram queda acentuada desde 1991, passando de 5,5 milhões para 1 milhão de toneladas em 2024, um dos maiores casos de sucesso do Proconve e do Programa de Controle da Poluição do Ar por Motociclos e Veículos Similares no Brasil (Promot).
● Óxidos de nitrogênio (NOx)
Os veículos pesados a diesel são os principais emissores. Estas cresceram entre 1985 e 1998, alcançando 1,3 milhão de toneladas no fim dos anos 1990. Em 2024, o total estimado foi de 0,6 milhão de toneladas, uma redução expressiva com relação à década de 1990, e a maior parte continua concentrada nos veículos de carga: caminhões pesados e semipesados foram responsáveis por quase 60% das emissões, enquanto ônibus e micro-ônibus responderam por 9%. Por tipo de combustível, o diesel representou 87% das emissões em 2024, seguido por gasolina C (10%), etanol (2%) e GNV (1%).
● Material particulado (MP)
As emissões por combustão cresceram até o ano 2000, chegando a 64 mil toneladas, e com as políticas de controle caíram continuamente até menos de 18 mil toneladas em 2024. A participação dos pesados segue elevada: caminhões pesados e semipesados respondem por 57% das emissões, e ônibus urbanos e micro-ônibus por 6%. Já os automóveis contribuem com apenas 5% das emissões de combustão, mas, quando se considera o material particulado total (emissões por combustão e desgaste) sua participação sobe para 23%. Em 2024, o material particulado total alcançou 38 mil toneladas, divididas aproximadamente igualmente entre combustão e desgaste.
● Carbono negro ou black carbon (BC)
Pela primeira vez, o inventário estima as emissões de black carbon, um poluente climático de vida curta que compõe uma fração do material particulado e tem impactos diretos, tanto no aquecimento global quanto na saúde. Desde o ano 2000, as emissões de escapamento apresentam tendência de queda, em 2024, essas emissões ultrapassaram 8 mil toneladas. As emissões de desgaste, por outro lado, apresentam tendência de crescimento, se aproximando de 2 mil toneladas ano passado.
● Metano (CH₄)
Este é um poluente com alto potencial de aquecimento global e precursor na formação do ozônio troposférico. Suas emissões vêm caindo desde os anos 1990 devido ao avanço tecnológico. Em 2024, considerando apenas as emissões rodoviárias, os automóveis foram os maiores emissores (45%), seguidos por comerciais leves (21%) e caminhões pesados (11%).
● Hidrocarbonetos não metano (NMHC)
Houve grande redução das emissões entre os anos 1990 e 2017, seguida de estabilização recente: desde 2017, a variação foi de apenas 3%. Em 2024, automóveis responderam por 72% das emissões, motocicletas por 12% e comerciais leves por 7%.
● Óxido nitroso (N₂O)
Estas emissões vêm crescendo acompanhando o aumento e a renovação da frota. Isso porque tecnologias como catalisadores que reduzem óxidos de nitrogênio (NOx), podem aumentar a formação de N₂O. Em 2024, 63% das emissões vieram de automóveis, 10% de comerciais leves, 18% de caminhões pesados e semipesados, 3% de ônibus urbanos e micro-ônibus e 1% de motocicletas.
● Dióxido de carbono (CO₂)
O inventário contabiliza apenas as emissões diretas dos veículos. Há tendência de crescimento contínuo desde 1980, com estabilização após 2014 e nova alta nos anos seguintes. Em 2024, o setor emitiu 270 milhões de toneladas de CO₂. Os automóveis responderam por 42%, os caminhões somados a todos os tipos por 40%, comerciais leves por 8%, ônibus e micro-ônibus por 8%, e motocicletas por 3%.
● Dióxido de carbono equivalente (CO₂eq)
Em 2024, as emissões totais de CO₂eq, que incluem CO₂, CH₄ e N₂O, somaram 204 milhões de toneladas, sendo que automóveis representaram 34% das emissões totais de CO₂eq, e caminhões semipesados, 22%. O CO₂ foi responsável por 97% de todas as emissões em CO₂eq do setor.
Sobre a frota nacional
A frota brasileira de veículos cresceu de forma contínua desde 1980 e alcançou mais de 71 milhões de veículos em 2024. Desse total, 63% são automóveis, 25% motocicletas, 9% comerciais leves, 3% caminhões e menos de 1% ônibus. A frota de veículos pesados (caminhões e ônibus) ultrapassou 2,5 milhões de unidades, distribuídas entre caminhões pesados (29%), semipesados (24%), médios (10%), leves (17%) e semileves (4%), além de ônibus urbanos (10%), rodoviários (2%) e micro-ônibus (4%).
Bases de informação
Mais de dez anos após o último levantamento (ano-base 2012, publicado em 2014), a construção do novo inventário envolveu oficinas técnicas com especialistas técnicos de órgãos públicos e privados.
De modo geral, os resultados mostram que, embora tenham ocorrido avanços importantes desde 2012 na consolidação de bases, ainda é necessário aprimorar dados de insumo para o cálculo das emissões no Brasil com maior confiabilidade. Entre as ações recomendadas está o desenvolvimento da base de dados de fatores de emissão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) , incluindo os fatores de deterioração das emissões, de forma a fornecer informações com a abrangência e o nível de desagregação necessários. Outra recomendação importante é o aprimoramento das bases de dados de licenciamentos anuais de veículos, permitindo uma maior precisão sobre a frota circulante.





