COP30: Sem salvaguardas, a transição energética corre o risco de ser injusta

Em debate, especialistas alertam que projetos renováveis podem reproduzir desigualdades socioambientais no Nordeste e em outros territórios

No horizonte da transição energética, governo e iniciativa privada fazem promessas luminosas. No entanto, entre tabelas e cálculos, há territórios, pessoas e ecossistemas obscuros diante do impacto invisível das grandes decisões.

Foi exatamente este tema que Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Rárisson Sampaio, assessor político na área de transição energética e justiça socioambiental do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e Cecília Oliveira, especialista em incidência política ClimaInfo debateram no painel “O Papel das Salvaguardas Socioambientais para uma Transição Justa”, que contou com a mediação de  Graziella Albuquerque, diretora de Relações Institucionais e Governamentais da Revolusolar, na segunda-feira (17), no Pavilhão Belém +10, estande na Green Zone da Conferência das Partes (COP), encontro sobre mudanças climáticas das Nações Unidas (ONU).

Embora o país tenha avançado nas fontes renováveis, a implementação desses projetos tem ocorrido de forma desconectada das comunidades e dos ecossistemas locais. “A gente chegou nesse ponto, só que a maneira como isso está acontecendo é muito longe da maneira como a gente gostaria que acontecesse”, afirmou Baitelo que pontuou que os impactos dos minerais críticos e da infraestrutura de renováveis ainda são pouco mensurados e alertou para a necessidade de processos mais participativos. “Nosso papel como instituto de pesquisa é de tentar mensurar os dados da vida real, o que é muito complexo, mas urgente”, completou.

Taxonomia verde

Baitelo chamou atenção para o avanço recente da “taxonomia verde” – classificação que deve funcionar como um guia público para definir o que pode ser considerado, de fato, um projeto sustentável no país. O termo, embora possa soar complexo, é um instrumento criado para classificar atividades econômicas e projetos segundo seu grau de sustentabilidade ambiental. Ou seja, funciona como um glossário padronizado que orienta o mercado, o governo e outros atores sobre o que pode ser considerado “verde” ou compatível com a transição para uma economia de baixo carbono.

No caso do Brasil, a taxonomia verde foi desenvolvida pelo governo federal com o objetivo de estabelecer critérios técnicos claros para identificar investimentos sustentáveis, especialmente em setores como energia, agricultura, transporte e indústria. “A ideia é criar um padrão comum que ajude a orientar o financiamento público e privado, por exemplo, ao definir quais projetos podem receber crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou se enquadrar em políticas de incentivo”, diz Baitelo.

Ainda foi mencionado o Fórum Nacional de Transição Energética (Fonte), em que organizações atuam para garantir que as salvaguardas socioambientais sejam incorporadas à política energética nacional. Segundo ele, a transição energética precisa ser planejada “conjuntamente” e com pactuação prévia, o que implica participação das comunidades e maior transparência dos empreendedores. “As energias solar e eólica não vão parar, elas só vão crescer se o Brasil quiser descarbonizar”, afirmou. Para Baitelo, a COP tornou-se um “arquipélago de debates além das negociações formais”. E o Brasil? A chance de liderar um modelo de transição justa voltado ao Sul Global.

Nordeste no mapa

No semiárido do Nordeste brasileiro, a expansão dos projetos de energia renovável tem sido marcada por processos que reproduzem antigas desigualdades no campo.

Segundo Rárisson Sampaio, assessor político do Inesc, empresas veem a região como uma “terra barata”, onde comunidades rurais são frequentemente ignoradas ou consideradas incapazes de negociar em condições igualitárias. “Essas comunidades são literalmente abandonadas a negociar com uma empresa que tem todo o aparato técnico e tecnológico”, afirma Sampaio, apontando que a ausência de garantias e de consulta prévia fragiliza toda a cadeia socioambiental dessas iniciativas.

Faz coro ao pesquisador, Cecília Oliveira, especialista em incidência política ClimaInfo. “A defesa de uma transição energética sustentável não significa oposição às energias renováveis, mas a insistência por sua aplicação de forma correta, justa e ambientalmente responsável”, diz.

Isso inclui, por exemplo, a exigência de que parques eólicos sejam interdegradáveis, isto é, compatíveis com a integridade ambiental dos territórios onde são instalados, e que as instituições financeiras sejam responsabilizadas pela destinação de recursos apenas a projetos que respeitem critérios socioambientais rigorosos. “Não se trata de frear o avanço das renováveis, mas de assegurar que a transição energética não reproduza desigualdades históricas, concentrando ganhos e distribuindo impactos negativos sobre populações vulneráveis”, diz.

Oliveira também lembra que este não é um problema só do Brasil, uma vez que o avanço desregulado das renováveis afeta populações em diversos países da América Latina, África e Ásia, repetindo um padrão de concentração de benefícios e distribuição de danos. 

Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)
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