Sociedade civil pede o cancelamento do leilão de energia que irá ofertar 2 dos 8 GW inseridos na MP da Eletrobras

Novas termelétricas a serem construídas elevarão a conta de luz e aumentarão as emissões de carbono

A Coalizão Gás e Energia, grupo brasileiro de organizações da sociedade civil comprometido com a defesa de uma transição energética socialmente justa e ambientalmente sustentável, está impetrando uma Ação Civil Pública que visa o cancelamento do Leilão nº 008/2022 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL, leilão de energia previsto para o dia 30 de setembro) visto todos os argumentos levantados pelas equipes técnicas integrantes: problemas ambientais, sociais, climáticos e econômicos. O Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Energia (LRCE, Portaria Normativa nº 46) busca preencher 2 GW dos 8 GW gerados por usinas termelétricas introduzidos na privatização da Eletrobras (Lei nº 14.182). Essas termelétricas, operando na modalidade inflexível, ou seja, ligadas pelo menos 70% do tempo ao longo de cada ano, acrescentarão R$ 111 bilhões ao custo de operação e manutenção do sistema elétrico entre 2022 e 2036 em comparação ao cenário de referência do plano decenal energético (PDE 2031, realizado pelo governo federal).

Esses dados fazem parte de uma simulação realizada por Dorel Soares Ramos, especialista do setor elétrico e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), em parceria com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), e com apoio do ECF – European Climate Fund. Como já apresentado por diferentes técnicos da área, esse tipo de geração de energia será um ônus para os consumidores, tanto para pequenos quanto para grandes, pois adiciona um custo adicional às contas de energia. Como consequência,  a estimativa de crescimento da conta de luz subiria em 10%, em um cenário com as térmicas inflexíveis (acionadas praticamente de forma permanente, como previsto na privatização da Eletrobras). Além desses custos referentes à construção e operação das usinas, há o valor adicionado de expansão dos gasodutos para abastecê-las, visto que foram escolhidas termelétricas em áreas sem infraestrutura de gasodutos como em locais da Região Norte e Nordeste do país.

Anteriormente, as termelétricas eram acionadas principalmente para complementar a geração hidrelétrica em períodos de seca. No caso atual,  a contratação de usinas termelétricas inflexíveis vai reduzir o espaço de operação de fontes renováveis mais econômicas, como solar e eólica, conforme assinalado no estudo técnico do professor Soares Ramos e no Plano Decenal de Energia 2031 (PDE 2031). Além de parques eólicos e de usinas solares serem contratados em menor volume, apesar de terem custos bastante inferiores às termelétricas, as usinas hidrelétricas já operantes deverão desperdiçar mais água de seus reservatórios para abrir caminho para novas termelétricas operando em tempo integral.

Além de encarecer o preço da conta de energia dos consumidores, as novas usinas referentes aos 2 gigawatts (GW) devem emitir 5,2 milhões de toneladas de tCO2e ao ano a partir do fim de 2026, segundo dados do Boletim Leilão de Energia Elétrica, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). A medida também representa um aumento de mais de 39% nas emissões de gases de efeito estufa do setor elétrico registradas em 2021. “Essa medida aumenta o abismo social no Brasil e contribui para o agravamento da crise climática global e colocando o país na contramão do Acordo de Paris, firmado para mitigação de seus impactos”, afirma Ricardo Baitelo, gerente de projetos do IEMA.  A contratação de novas termelétricas aumentará também as emissões de poluentes locais, onde falta monitoramento público da qualidade do ar, e fará pressão sobre as bacias hidrográficas, pois essas usinas geralmente precisam de grande volume de água para resfriar suas turbinas.

O primeiro artigo da Lei de privatização da Eletrobras, que determina a construção e contratação de novas termelétricas, não tem qualquer relação com o objetivo da lei. Ele faz parte de uma série de escolhas políticas adotadas recentemente para o setor elétrico obrigando a sociedade a ter mais fontes fósseis de energia na matriz a preços elevadíssimos. No cenário atual, com 90% das famílias brasileiras sendo impactadas pelos altos custos da conta de luz, conforme apontado em recente pesquisa do Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) e Instituto Clima e Sociedade (iCS), é escandaloso que o Congresso Nacional aprove uma Lei que resultará em mais um aumento acentuado das contas de energia. Além do cancelamento desse leilão, a Coalizão Gás e Energia pede a revogação da contratação dos outros 6 GW de termelétricas previstas.

O Brasil tem aberto cada vez mais caminhos para o aumento da demanda de gás natural em benefício de grupos de interesse privado, especialmente no setor elétrico. O setor elétrico pode ser vetor de desenvolvimento e contribuir para a redução da desigualdade social e a retomada da economia. Mas, para isso, suas políticas devem atender a critérios de justiça socioambiental, ancoradas em informações técnicas e desenhadas com participação social. Por isso, o grupo de organizações ressalta que não quer energia elétrica a qualquer custo, mas que seja limpa e acessível para todos os brasileiros. Afinal, energia elétrica é um direito.

O especialista em transição energética e doutor em riscos e emergências ambientais, o dr. engenheiro Juliano Bueno de Araújo, que também exerce o cargo de diretor técnico do Instituto Internacional Arayara e do OPG Observatório do Petróleo e Gás explica que “quando o CNPE Conselho Nacional de Políticas Energéticas, a EPE Empresa de Políticas Energéticas e a ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica decide  ampliar a produção de energia elétrica através da queima de combustíveis fósseis (gás e carvão) com a expansão de mais de 70 termelétricas em projeto e instalação, bem como este potencial a ser contratado nesses leilões, isso compromete os custos tarifários de todos setores econômicos e do consumidor doméstico, trazendo prejuízos à competitividade nacional com uma tarifa que se projeta nos próximos anos em mais de 150%, sem mencionar o aumento das emissões de GEE Gases de Efeito Estufa que fazem com que o país descumpra seus acordos internacionais climáticos sendo um claro retrocesso”.

Sobre a Coalizão Gás e Energia

A Coalizão Gás e Energia é um grupo brasileiro de organizações da sociedade civil comprometido com a defesa de uma transição energética socialmente justa e ambientalmente sustentável no Brasil. Ela tem como objetivo excluir o uso do gás como fonte na matriz energética até 2050. Fazem parte as organizações: ClimaInfo, Instituto Internacional Arayara, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) e Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)