*Este artigo foi publicado originalmente no Nexo Políticas Públicas, em julho de 2021. Leia na íntegra aqui.
O transporte é essencial para a afirmação da dignidade humana, pois permite a realização dos direitos fundamentais como saúde, habitação e educação. Essa primordial necessidade de deslocamento refletiu na exploração política e econômica da ideia de que ter um carro amplia as possibilidades e liberdades, resultando na mobilidade rodoviarista e individualista. A indústria automotiva firmou-se como símbolo gerador de emprego, impulsionador do desenvolvimento e produtor de riqueza. Mas as políticas que sobrevalorizaram o automóvel trouxeram também reveses: espaço público desumanizado, poluição do ar, crise climática e mortalidade no trânsito comparável a guerras. Com isso, o caminho do bem viver nas cidades passa pela priorização dos deslocamentos a pé, por bicicleta e transporte coletivo.
No mundo, perspectivas de uma nova mobilidade surgem a reboque da Quarta Revolução Industrial. É difundida a ideia de que os veículos serão autônomos, conectados, elétricos e compartilhados – conhecidos pela sigla em inglês “ACES”. Está em curso uma corrida tecnológica com parcerias entre a indústria automotiva e a da tecnologia da informação como as “big techs” (como Microsoft, Google e Apple) e as novas empresas de aplicativos de transporte (como Uber).
Como as 15 maiores empresas de tecnologia são cinco vezes maiores na capitalização de mercado do que as 50 mais tradicionais montadoras, espera-se uma remodelação com fortes implicações na mobilidade urbana. Nascem novos modelos de negócios com foco na oferta de serviços viabilizados pelas novas tecnologias da informação. Caso apenas o transporte individual seja alvo das transformações, essa “nova mobilidade” continuará estruturalmente velha.
Nas cidades brasileiras, o transporte público se degrada com número decrescente de passageiros 1 e aumento das insatisfações com os preços de passagens. O modelo de financiamento dos serviços de transporte, baseado no pagamento de tarifa, é insustentável e incapaz de alçar o transporte público ao patamar em que supra as necessidades da população e desbanque o automóvel como preferido. E a pandemia exacerbou o problema. (…)