COP30: A tecnologia só é inovação se levar à transformação social

Em evento paralelo, especialistas afirmam que novas tecnologias podem ajudar a combater as mudanças climáticas, desde que desenvolvidas em parceria com as populações mais afetadas

A inovação deve servir à justiça climática e ser construída a partir das realidades das populações mais vulneráveis. Ferramentas como o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), iniciativa do Observatório do Clima, e o MapBiomas mostram o potencial da tecnologia e dos dados abertos para impulsionar políticas públicas e ações de mitigação e adaptação, desde que usadas de forma colaborativa, transparente e acessível.

Esse olhar “debaixo para cima”, de quem sofre com os eventos extremos para as inovações promovidas, foi o principal encaminhamento do painel “O poder da tecnologia na crise do clima”, promovido pela Fundação Grupo Boticário, terça-feira (11), na “Casa Dourada” no centro da cidade de Belém (PA), em paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30). Ele reuniu especialistas para debater como a tecnologia e a produção de conhecimento podem impulsionar soluções para enfrentar a emergência climática.

O encontro foi mediado por Thiago Costa, head da Rede e lead da Plataforma de Ação Brasil na BMW Foundation, e contou com a participação de David Tsai, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) e coordenador do SEEG; Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas; e Andrew Leal, cofundador do Observatório das Baixadas.

Hoje, o SEEG é adotado por diversos estados como Goiás, Paraíba, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e outros, como Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, estão em processo de implementação. “Essa expansão é importante porque amplia os usos e aplicações da ferramenta além da capacidade da própria equipe original. É praticamente impossível realizar inventários de emissões para todos os municípios brasileiros apenas com trabalho humano, e o SEEG oferece uma solução tecnológica para isso”, ressalta o pesquisador do IEMA.

Quanto o Brasil emite de gases de efeito estufa

“O SEEG nasceu de uma necessidade prevista na Política Nacional sobre Mudança do Clima, em 2019, para que o Brasil pudesse acompanhar suas emissões e avaliar o cumprimento das metas do Acordo de Paris. Naquele momento, não existia um inventário anual de emissões atualizado”, explicou Tsai.

Segundo o pesquisador, o Observatório do Clima (OC) mobilizou organizações com expertise técnica em diferentes setores para enfrentar esse desafio: o IEMA nas áreas de energia e indústria, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) na agropecuária, o Governos Locais para a Sustentabilidade (ICLEI) em resíduos, e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) nas mudanças de uso da terra.

“As organizações estudaram, produziram e publicaram os dados de forma corajosa e aberta, criando uma plataforma acessível que foi sendo aprimorada com o tempo. Essa transparência gerou um ciclo virtuoso e inspirou outras iniciativas, como o MapBiomas”, afirmou. O sistema tem um foco forte na divulgação de emissões, mas a equipe do SEEG realizou um exercício voltado à gestão municipal, reunido no caderno “87 soluções para redução das emissões de gases de efeito estufa nos municípios brasileiros” propondo caminhos para mitigação e adaptação.

Tsai destacou a importância de avançar também na criação de uma plataforma voltada especificamente à adaptação climática. Um desafio mais complexo. Ele lembrou que os riscos climáticos são difíceis de traduzir quando se mostram números, mas igualmente urgentes de serem enfrentados.

Tecnologia a serviço da justiça climática

Para Andrew Leal, cofundador do Observatório das Baixadas, a tecnologia só cumpre seu papel quando é construída a partir das realidades locais e das populações mais afetadas pela crise do clima. “A tecnologia não é neutra. Vimos ontem as fortes chuvas aqui em Belém, e elas estão começando agora no nosso inverno. Imaginem o que será o alagamento”, alertou. Leal apresentou o Atlas das Baixadas, projeto que busca desenvolver soluções comunitárias baseadas na natureza, como exemplo de justiça climática em prática. 

“A tecnologia vem sendo pensada de cima para baixo. Precisamos inverter essa lógica: fazê-la nascer de quem vive o problema e vai usar as soluções.”

Já Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas, destacou o papel da colaboração e da ciência aberta. O MapBiomas surgiu quando o uso da terra era o principal responsável pelas emissões brasileiras e, em 2025, completa dez anos. “Geramos 40 mapas por ano, em rede, de forma colaborativa e aberta. Hoje o MapBiomas está presente em mais de 13 países, com instituições locais que conhecem suas realidades e produzem seus próprios mapas”, explicou.

Segundo a especialista, os dados do MapBiomas têm sido amplamente utilizados por diversos setores como órgãos públicos, empresas e seguradoras, permitindo ações mais eficazes diante das mudanças climáticas. “Os impactos vêm dos usuários, de diferentes setores da sociedade, que aplicam essas informações para gerar transformações concretas”, completou Shimbo.

Ela ressaltou ainda uma tendência crescente: o uso combinado de múltiplas e diferentes tipos imagens e de sensores para aprimorar a qualidade dos mapas e dos bancos de dados, fortalecendo a capacidade de monitorar e compreender as transformações do território. O futuro está começando agora. E as pessoas mais afetadas precisam fazer parte dessa construção.

Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)
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