Quilombolas do Pará e especialistas que fazem parte da Rede Energia e Comunidades lançam dois documentos indicando como e o porquê o Estado deve fornecer energia elétrica renovável e de qualidade para as pessoas que ainda estão no escuro. A “Carta-Manifesto das Comunidades Quilombolas de Abaetetuba (PA) pelo acesso digno à energia”, escrita pelos moradores, detalha a situação energética local e seus impactos sobre o acesso a políticas públicas essenciais, como saúde, educação e assistência social. Já a nota técnica “Contribuição da Rede Energia e Comunidades ao encontro de monitoramento do Programa Luz para Todos em comunidades quilombolas de Abaetetuba (PA)” reivindica a inclusão imediata das famílias quilombolas no Programa Luz para Todos com prioridade para escolas, postos de saúde e centros comunitários, além de justiça tarifária, com isenção tarifária e compensações às comunidades quilombolas impactadas por linhas de transmissão.
Vale ressaltar que as pessoas ainda estão sem energia elétrica pública e de qualidade no estado brasileiro que vai sediar a maior conferência mundial da Organização das Nações Unidas sobre clima, a Conferência das Partes (COP 30), em novembro.
Os dois documentos nasceram graças ao Encontro de Monitoramento e Avaliação do Programa Luz para Todos em Comunidades Quilombolas no Pará, realizado em agosto, nos quilombos Bom Remédio e Ramal do Piratuba, em Abaetetuba. O encontro nasceu da mobilização dos próprios moradores, que denunciam o fornecimento precário de energia, as dificuldades para pagar as altas contas de luz e a falta de orientações tanto sobre o uso eficiente da energia quanto sobre os canais disponíveis para solicitações e denúncias. Combater o racismo energético e garantir o acesso à energia elétrica pública de forma participativa e a preços acessíveis foram os principais temas debatidos.
Além de organizações da sociedade civil que integram a Rede Energia e Comunidades e do Movimento dos Ribeirinhos das Ilhas de Abaetetuba (Moriva), o encontro contou com a presença de representantes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia (MME), do Ministério de Igualdade Racial (MIR) e do Ministério de Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome (MDS). Estiveram presentes, ainda, a vice-prefeita e dois vereadores e membros das secretarias de educação, obras e saúde da cidade de Abaetetuba.
Ao final do evento, os moradores entregaram aos representantes institucionais a carta-manifesto. Ela reivindica que todas as decisões sobre empreendimentos energéticos e serviços públicos respeitem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), garantindo consultas livres, prévias e informadas desde a fase de planejamento. “Nada sobre nós, sem nós”, sintetizaram os moradores em sua carta, cobrando que o Estado e a concessionária assumam responsabilidade imediata pela inclusão dos quilombos no sistema público.
Entre as principais demandas, estão a universalização imediata do programa Luz para Todos, com cronogramas definidos e participação comunitária; revisão da taxa de iluminação pública e isenção para territórios sem serviço; mutirões de renegociação de dívidas com concessionárias; atualização do Cadastro Único (CadÚnico), para inclusão das famílias na Tarifa Social de Energia (TSEE); e investimento em sistemas de energia seguros e adequados em escolas, postos de saúde e espaços comunitários, com manutenção garantida e tecnologia adaptada à realidade amazônica.
Já a contribuição da Rede Energia e Comunidades, publicada hoje (dia 8), defende a garantia de participação social, com consulta prévia e criação de um comitê interinstitucional, a adoção de soluções tecnológicas adequadas à Amazônia, e agentes comunitários de energia, e a integração com serviços públicos essenciais, incluindo posto de saúde, poços e cisternas para assegurar água potável e fornecimento contínuo de energia.
Encontro de Monitoramento Energético de comunidades quilombolas no Pará
O evento colocou em evidência também que, em muitos territórios, a precariedade energética obriga famílias a recorrer a soluções ilegais e inseguras, como ligações clandestinas, aumentando riscos de acidentes e comprometendo a proteção ambiental. Os moradores reforçaram que energia digna é direito e não privilégio, e que as políticas públicas devem assegurar segurança, tarifas justas e respeito à autonomia das comunidades.
Ao longo dos dois dias de atividades, além das plenárias em que moradores relataram as dificuldades cotidianas causadas pela falta de energia, foi possível constatar in loco a presença de extensas instalações elétricas irregulares em áreas preservadas. As estruturas improvisadas expõem a população a riscos de acidentes e ainda deixam um rastro de danos ambientais irreversíveis.
As organizações anfitriãs responsáveis pela mobilização e organização foram a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos das Ilhas de Abaetetuba (Arquia), a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Ramal do Piratuba (Arquituba), e a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), todas ligadas à Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (Conaq). Participaram também representantes quilombolas dos estados do Amapá, Amazonas e Rondônia, que relataram as realidades nos seus territórios como muito semelhantes às dos quilombos que realizaram a atividade no Pará.
A concessionária Equatorial Energia Pará, embora convidada a participar das atividades e prestar informações diretamente às comunidades, não compareceu. A ausência foi entendida como mais um sinal da negligência histórica diante das demandas quilombolas, que seguem enfrentando barreiras para acessar um direito básico como a energia elétrica. Apesar desse silêncio institucional, o encontro reafirmou a potência da mobilização coletiva e a centralidade da luta quilombola na defesa de seus direitos. A partir de agora, o processo é de vigilância permanente: as comunidades acompanharão de perto os próximos passos e seguirão cobrando das autoridades competentes e da concessionária o cumprimento de seus direitos, bem como respostas às reivindicações expressas na carta final do encontro.
Sobre a Rede Energia e Comunidades
A Rede reúne um grupo de organizações atentas à causa do pleno direito à energia limpa e sustentável, conforme preconiza a legislação brasileira e o objetivo do Desenvolvimento Sustentável número 7 da Organização das Nações Unidas. Dela fazem parte: 350.org, Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coaib), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (Conaq), Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil, Fórum de Energias Renováveis de Roraima, Grupo de Estudos e Desenvolvimento de Alternativas Energéticas da Universidade Federal do Pará (Gedae/ UFPA), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto Clima e Sociedade (iCS), Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), ID Global, International Energy Initiative – IEI Brasil, Instituto Socioambiental (ISA), Litro de Luz, Projeto Saúde e Alegria (PSA), Observatório do Marajó, WWF-Brasil.