Um encontro realizado na Controladoria-Geral da União (CGU), em Brasília na quarta-feira (4), discutiu temas essenciais para a construção do Plano Nacional de Logística (PNL 2050), com foco na logística das cadeias produtivas da sociobiodiversidade e na mobilidade e abastecimento de povos e comunidades tradicionais. A reunião, convocada pelo Ministério dos Transportes (MT) e organizações da sociedade civil, teve como objetivo aprimorar o diagnóstico atual do sistema de transportes do Brasil e evidenciar as realidades locais que impactam diretamente as comunidades mais isoladas, colaborando para o desenvolvimento do PNL 2050.
Durante o encontro, os participantes apresentaram os desafios enfrentados por comunidades tradicionais na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica, e como o Estado pode contribuir para a inclusão dessas populações no planejamento de infraestrutura de transportes, essencial para a logística dos produtos da cadeia da sociobiodiversidade, como o extrativismo de açaí, castanha de baru, castanha-da-Amazônia, e a pesca do pirarucu, bem como para superar desafios no acesso ao transporte e mobilidade, direito social garantido na Constituição Federal. “Ter dados qualificados sobre a produção da sociobiodiversidade é fundamental para pensar políticas públicas e logística de forma mais justa”, ressalta Vinicius Oliveira, líder de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).
O evento, que contou com três mesas de debate e uma oficina temática, foi organizado com a colaboração do Ministério dos Transportes (MT), do Instituto Socioambiental (ISA), Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop) e da Transparência Internacional Brasil (TI Brasil), que uniram esforços para promover o debate sobre a logística e infraestrutura para as comunidades tradicionais e a sociobiodiversidade no Brasil.




As duas primeiras mesas abordaram as cadeias produtivas da sociobiodiversidade, com a participação de representantes do Observatório Castanha-da-Amazônia (OCA), Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (Ósociobio), Instituto Mamirauá (IDSM), Coletivo Pirarucu, Diálogos Pró-Açaí, Memorial Chico Mendes, Cooperativa Regional de Base na Agricultura Familiar e Extrativismo Ltda (Coopabase), Cooperativa dos Pescadores Artesanais (COOPERPESCA) e Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras (RAMA/CONAQ), Cooperativa Mista da Floresta Nacional do Tapajós (COOMFLONA) e União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária Unicafes).
Foram apresentados dados sobre as cadeias da sociobiodiversidade. Vinicius Oliveira, especialista do IEMA, destacou que 63% dos produtos da sociobiodiversidade são comercializados, enquanto 37% são de autoconsumo. “O Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) permite identificar onde esses produtos estão sendo cultivados, por quem e em que escala. Mesmo que a produção em toneladas ainda seja pequena em comparação com a lavoura temporária ou permanente, esses dados mostram uma rede extensa e bem distribuída de pequenos produtores no território”, afirma Oliveira. “Saber que 63% do que é produzido é comercializado, por exemplo, ajuda a entender os fluxos e a modelar melhor as cadeias logísticas. Sem essas informações, os produtos da sociobiodiversidade seguem invisíveis para o planejamento nacional”, completa.
Ana Claudia Torres, do Instituto Mamirauá, enfatizou a importância da logística para fortalecer iniciativas que gerem renda e protejam os territórios. Já Juliana Maroccolo, do Observatório da Castanha-da-Amazônia (OCA), trouxe o dado de que 90% da castanha brasileira vem do extrativismo, atividade que está presente em quase 30% da Amazônia, destacando a relevância dessa atividade para a economia local, e de como a cadeia da castanha necessita de uma combinação de instrumentos regulatórios e políticas públicas adequadas às suas especificidades.
Na terceira mesa, representantes dos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Desenvolvimento Social (MDS), Desenvolvimento Agrário (MDA), Companhia Nacional do Abastecimento (Conab) e Ministério do Desenvolvimento e Indústria (MDIC) apresentaram um panorama geral de políticas públicas no âmbito da sociobiodiversidade que estão sendo tocadas pelo governo federal, fora da questão específica de transportes, mas que dependem da logística para plena execução.
No fim do encontro, os participantes se dividiram em grupos para uma oficina temática, na qual discutiram as necessidades de transporte tanto para as cadeias produtivas quanto para a mobilidade de povos e comunidades tradicionais. Foi ressaltado que, apesar de sua relevância para a alimentação e geração de renda, a produção da sociobiodiversidade e a mobilidade das pessoas envolvidas nessas cadeias continuam a ser invisíveis. Essa invisibilidade frequentemente resulta em sua exclusão dos processos de planejamento e infraestrutura, limitando o potencial de desenvolvimento dessas áreas.
“Essas precariedades de transporte impactam diretamente na produção e automaticamente no faturamento dessas comunidades, porque elas poderiam estar utilizando mais do recurso, dinamizando a geração de renda e diversificando a produção. Mas elas ficam limitadas a uma quantidade produtiva por conta das condições de acesso aos lagos e o escoamento da produção. O encarecimento dos insumos também tem contribuído para isso, e isso impacta diretamente na renda”, destacou Ana Claudia Torres, do Instituto Mamirauá.
Gabriela Avelino, subsecretária de Fomento e Planejamento no Ministério dos Transportes, destacou a importância do debate para o aprimoramento do PNL 2050. Ela comentou que a reunião permitiu identificar dados e especificidades até então desconhecidos pelo MT, fundamentais para melhorar as estratégias de logística do PNL 2050 e garantir que as necessidades das comunidades tradicionais e outros setores da sociedade sejam atendidas de forma integrada.
“Sai claro deste encontro como a infraestrutura de transportes é viabilizadora de várias outras políticas públicas. Ou seja, ela é uma política pública em si mesma, mas é uma política pública meio, acima de tudo, e várias iniciativas voltadas para a sociobiodiversidade dependem do que o Ministério dos Transportes e do que o PNL 2050 pode oferecer”, disse Avelino. “Os dados trazidos serão coletados e considerados para ajustar nossas bases de análise e permitir que o PNL veja certas coisas que historicamente ele não via, por falta desse diálogo”, completou.
O PNL 2050, com com previsão de entrega até dezembro deste ano, está inserido no contexto do Planejamento Integrado de Transportes (PIT), regulamentado pelo Decreto 12.022/24, que estabelece um sistema de planejamento encadeado para orientar as decisões sobre o futuro da infraestrutura viária brasileira, visando aprimorar a governança e o planejamento de longo prazo. A fase de diagnóstico, que vai até 13 de julho, busca identificar as principais deficiências no sistema de transportes do país.
Vale ressaltar que, para organizações ou pessoas que tiverem interesse em colaborar, o Ministério dos Transportes, em parceria com a Fundação Dom Cabral, está com uma pesquisa qualitativa on-line aberta como parte do processo de construção do diagnóstico do PNL 2050. A participação busca identificar, com base na experiência direta dos usuários, os principais gargalos, deficiências e entraves enfrentados no transporte em geral (de cargas e de pessoas). As contribuições ajudarão a refinar o diagnóstico e a embasar decisões sobre investimentos futuros em infraestrutura logística.