Devido à pandemia de Covid-19, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA) anunciou que pretende adiar a nova fase do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) para veículos pesados por até três anos. Ela deveria entrar em vigor em 2022. Se for postergada, a emissão de óxidos de nitrogênio (NOx), poluentes responsáveis por problemas pulmonares, chegará a ser de até 20% a mais em comparação com o cumprimento no prazo e de até 11% a mais de material particulado 2,5 (MP) emitido na combustão, partículas finas formadas por fuligem e outras partículas sólidas ou líquidas em suspensão na atmosfera que podem causar problemas cardiorrespiratórios. Esses dados estão disponíveis no relatório inédito feito pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), lançado no dia 5 de outubro, que estima o impacto sobre a emissão dos dois poluentes com adiamento em três anos da fase oito do programa.
A pesquisa mostra que o Proconve é e continuará sendo um instrumento efetivo para o controle de emissões de veículos pesados dentro do horizonte até 2050. O Proconve é um programa instituído pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) visando melhorar a qualidade do ar no Brasil por meio da exigência de fabricação e comercialização de veículos em geral que atendam limites de emissão cada vez mais restritivos, ou seja, poluindo menos. O programa engloba: ônibus, microônibus, caminhões em geral, motocicletas, comerciais leves (como vans) e automóveis. A fase P8 do Proconve, estabelecida pela Resolução do Conama nº 490 de 2018, é equivalente às normas Euro 6 que entraram em vigor na Europa em 2014. Ou seja, as montadoras instaladas no Brasil já detém, em suas matrizes europeias, a tecnologia necessária para a mudança.
O IEMA projetou as de emissões poluentes em quatro cenários. O primeiro considera que a fase P8 do Proconve terá início conforme estabelecido na resolução do Conama, ou seja, em 2022 para novos modelos de veículos pesados e 2023 para todos os modelos de veículos pesados. O segundo cenário considera a fase P8 do Proconve com início adiado em três anos, ou seja, em 2025 para novos modelos de veículos pesados e 2026 para todos os modelos de veículos pesados. O seguinte assume que haverá maior eletrificação progressiva da frota em conjunto com a implementação da fase oito no prazo. E, o último, também considera a fabricação e comercialização de mais veículos híbridos e elétricos, mas com o adiamento em três anos da fase oito.
A quantidade de emissões a mais no caso do adiamento da nova fase varia com o decorrer dos anos. Por exemplo, no caso dos óxidos de nitrogênio (NOx), em 2023, será emitido 5,6% a mais do poluente na atmosfera. O número sobe ano a ano até chegar ao pico em 2032, quando os veículos lançarão 20,5% a mais do poluente. Uma espécie de platô é observada entre os anos de 2026 e 2036, onde a emissão a mais permanece em torno dos 20%. A queda mais fácil de ser observada se dá a partir de 2037 (com 18,4%).
Por sua vez, existem duas diferentes “emissões” de material particulado 2,5 (MP 2,5) por veículos: o que é liberado por meio do escapamento e o resultante do desgaste do pneu e de atritos de outros componentes. A maior emissão de material particulado total no cenário de adiamento chegou a 4% em 2026. No ano seguinte, a diferença de emissões entre os cenários entra em queda lenta até chegar a 1,7% de diferença, em 2041. Já a maior emissão do material particulado proveniente de atritos no cenário de adiamento tem pico nos anos de 2035 e 2036, com uma emissão 11,9% maior no cenário de adiamento em relação ao cumprimento no prazo. E permanece acima de 10% entre os anos de 2027 e 2043.
O estudo também revelou que, considerando os cenários de eletrificação e hibridização adotados no Plano Nacional de Energia, os veículos elétricos ainda apresentarão pouco efeito sobre as emissões de NOx e MP nesta década e na próxima. “Os dados demonstram que a fase oito do Proconve tem sua importância, mas para cidades menos poluentes precisamos de mais políticas e ações que mudem o paradigma da mobilidade de pessoas e cargas. A análise dos cenários de eletrificação e hibridização também mostram que o Proconve deve avançar, uma vez que os veículos a combustão continuarão circulando ainda por muitas décadas”, conta André Luis Ferreira, diretor-presidente do IEMA.
Resumo do estudo sobre adiamento da fase oito do Proconve
O atraso na implementação da fase P8 do Proconve implicará em emissões anuais, entre 2025 e 2037, próximas a 20% maiores em comparação com a implementação no prazo. Os NOx, além de causarem danos à saúde por si só, também são precursores da formação do ozônio (O3) troposférico, um poluente cujas concentrações ambientais ultrapassam há décadas os padrões de qualidade do ar em cidades brasileiras que o monitoram.
Quanto ao material particulado (MP 2,5), o estudo o aponta como um poluente de controle mais desafiador. Os resultados indicam que apenas essa nova fase é insuficiente para evitar uma trajetória de emissões crescentes no longo prazo. “O Proconve contribuiu para estabelecer uma trajetória decrescente de emissões de MP 2,5 desde o final da década de 1980. Mas as projeções indicam que haverá uma inflexão na curva de emissões, que passam a aumentar a partir de 2035, aproximadamente”, conta David Tsai, pesquisador do IEMA.
A emissão de material particulado cai lentamente até subir um pouco a partir do ano de 2035. Isso porque a quantidade de veículos circulando nas ruas deve aumentar. E o desgaste de pneus, freio e pista deverá gerar mais poluente, o que é preocupante, pois o Proconve não conta com estratégias de controle para essa formação do poluente. “Todos esses cenários não bastam para melhorar a qualidade de vida nas cidades se elas continuarem entupidas de carros. É necessário seguir com o Proconve, mas também alterar o padrão da mobilidade no país tornando as cidades menos dependentes da grande circulação de veículos automotores”, ressalta Ferreira.