Usinas termelétricas poluidoras marcarão o próximo leilão de energia no dia 30, mostra novo Boletim do IEMA
Nordeste e Sudeste concentram o maior número de usinas a combustíveis fósseis cadastradas no leilão
O Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) lança o segundo Boletim Leilão de Energia Elétrica, analisando os leilões de contratação de termelétricas fósseis. Esta edição aborda o leilão A-5, que será realizado no dia 30 (quinta-feira), para a compra de energia elétrica de novos empreendimentos de geração proveniente das fontes hidrelétrica, eólica, solar fotovoltaica e termelétrica. As usinas termelétricas a combustíveis fósseis cadastradas totalizam 35,9 GW, correspondendo a 95% da capacidade de termelétricas ofertada no leilão. O combustível predominante é o gás natural que soma 34,6 GW (92%) da capacidade instalada de projetos. Leia aqui o Boletim Leilão de Energia Elétrica na íntegra.
Tal movimento, combinado com pressões para a flexibilização da legislação ambiental e com a crônica insuficiência de recursos humanos, orçamentários e técnicos dos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), acrescenta ainda mais incertezas quanto aos riscos sociais e ambientais da expansão termelétrica na matriz elétrica nacional.
“Dada a localização e a tecnologia adotada na maioria dos projetos termelétricos, combinadas com as pressões para a flexibilização da legislação ambiental e com a crônica insuficiência de recursos humanos, orçamentários e técnicos dos órgãos de meio ambiente, é de se esperar um aumento dos riscos à saúde pública causados pela poluição do ar e da pressão sobre os recursos hídricos”, afirma André Ferreira, diretor-presidente do IEMA. “Além disso, o investimento na contratação de usinas a combustíveis fósseis contribui para aumentar as emissões de gases de efeito estufa e retardar a necessária transição da matriz elétrica para fontes renováveis”, completa. A energia negociada no leilão será objeto de Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR) por 20 anos (termelétricas), 15 anos (renováveis) e 25 anos (hidrelétricas).
Mais termelétricas à vista
Há 52 projetos cadastrados de geração térmica a combustível fóssil acima de 50 MW. Desse total, não foi possível encontrar informações de licenciamento ambiental de cinco unidades. Das 47 unidades restantes, quatro tinham documentação disponível insuficiente para avaliar os indicadores ambientais.
O Boletim analisou 43 dos projetos cadastrados, correspondendo a 35 usinas termelétricas licenciadas ou em processo de obtenção da Licença Prévia. As Regiões Nordeste e Sudeste concentram o maior número de usinas, somando 29 empreendimentos a gás natural. O Sudeste é responsável por 44% da potência cadastrada e o Nordeste responde por outros 40%. Vale destacar o predomínio de projetos a Gás Natural Liquefeito (GNL): 20 usinas termelétricas, correspondendo a 61% da potência total licenciada.
Estresse hídrico
A análise dos sistemas de resfriamento propostos para as usinas termelétricas cadastradas nos leilões mostra que a opção pelo uso de água com tecnologia de torres úmidas é predominante, com 24 usinas, correspondendo a 25,5 GW de potência licenciada (70% do total). Usinas termelétricas resfriadas à água podem reduzir significativamente a disponibilidade hídrica na bacia hidrográfica na qual estiverem localizadas. Para efeito de comparação, a demanda de água de uma usina termelétrica a gás natural de 1.000 MW equivale ao abastecimento público diário de uma cidade de aproximadamente 156 mil habitantes.
Das 20 usinas cadastradas que utilizam água doce em seus sistemas de resfriamento, sete encontram-se em bacias com balanço hídrico quantitativo crítico, o que representa uma potência total de 10,7 GW. A região Sudeste lidera o ranking de potência licenciada em bacias sensíveis, tendo três projetos localizados em bacias classificadas como críticas, totalizando 5,1 GW.
Um aspecto positivo observado nos projetos cadastrados no leilão é que cinco usinas termelétricas propõem a utilização de condensadores a ar. Esta tecnologia reduz consideravelmente o uso de água, por isso, seu emprego está em expansão em todo o mundo, principalmente na África do Sul, na China e nos Estados Unidos, segundo dados do IEMA, de 2016.
Poluição do ar
Das 35 usinas licenciadas participantes dos leilões, apenas nove estão localizadas em municípios onde exista pelo menos uma estação de monitoramento da qualidade do ar em operação e que disponibilize para a sociedade as concentrações de poluentes aferidas. Isso significa que vazões significativas de gases e partículas poderão ser lançadas em territórios onde se desconhece as concentrações pré-existentes de poluentes atmosféricos e, consequentemente, também as estimativas das concentrações projetadas para o futuro.
Para que se tenha uma ideia dos impactos potenciais, uma usina termelétrica a gás natural de 1.000 MW, operando em ciclo combinado, pode emitir até 3.600 kg por dia de NOx (óxidos de nitrogênio), o que corresponde aproximadamente às emissões de uma frota de três milhões de automóveis rodando, em média, 15 quilômetros por dia cada um.
Um ponto de especial atenção quanto aos possíveis desdobramentos dos leilões de energia elétrica em relação à poluição do ar são os adensamentos de usinas termelétricas em um mesmo território. Tal situação tem se verificado nas proximidades de complexos industriais e portuários integrados a terminais de gás natural liquefeito (GNL) ou próximos aos gasodutos de escoamento de gás natural offshore-: Barcarena (PA), Pecém (CE), Suape (PE), Barra dos Coqueiros (SE), Açu (RJ) e Macaé (RJ). Tratam-se, em geral, de territórios já densamente industrializados com múltiplas fontes de poluentes atmosféricos em operação.
Tal movimento, combinado com pressões para a flexibilização da legislação ambiental e com a crônica insuficiência de recursos humanos, orçamentários e técnicos dos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), acrescenta ainda mais incertezas quanto aos riscos sociais e ambientais da expansão termelétrica na matriz elétrica nacional.
A maior parte deste contingente de termelétricas deverá ser oferecido novamente em oportunidades futuras, como o leilão emergencial de outubro ou o leilão de reserva de capacidade de dezembro. Neste sentido, recomendamos a revisão dos critérios para a habilitação técnica de empreendimentos em leilões, bem como suas exigências à conformidade ambiental. “Vem ocorrendo uma importante discussão de valoração de impactos ambientais de empreendimentos energéticos no âmbito da Lei 14.120, mas sugerimos que os riscos sociais e ambientais de projetos sejam discutidos nas fases iniciais do planejamento da expansão do sistema elétrico. O risco de racionamento está abrindo um mercado significativo para a contratação de mais térmicas e este processo deve incluir os custos para o meio ambiente e a sociedade, bem como a contratação preferencial de alternativas renováveis e econômicas.”