Coalizão Energia Limpa faz um balanço dos dois anos da Lei de Privatização da Eletrobras em nova nota técnica

Estudo mostra como as “jabutis do gás” contidas na legislação são um risco para o sistema elétrico brasileiro e agravam a crise climática

Em nova nota técnica publicada hoje (dia 26), a Coalizão Energia Limpa alerta que a operação das termelétricas “jabutis”, previstas na lei de privatização da Eletrobras (Lei nº 14.182), resultará na emissão de mais de 300 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (Mt CO2e) ou 20 Mt CO2e por ano. Em termos comparativos, em 2019 todo o setor de geração de eletricidade brasileiro emitiu 53,4 Mt CO2e, ou seja, apenas as termelétricas “jabutis” têm potencial representativo de quase 40% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) anuais de todo o setor elétrico brasileiro.

A Lei da Desestatização da Eletrobras completou dois anos no último mês de junho. A medida, que privatiza a principal empresa de energia pública do país, incluiu uma emenda polêmica que obriga a contratação de 8 GW de termelétricas a gás natural por meio de leilões regulados. O termo “jabuti” é frequentemente usado por analistas políticos para se referir a dispositivos inseridos em projetos de lei sem relação com sua temática principal.

Se efetivada, a operação das termelétricas “jabutis”, em tempo integral por um período de pelo menos quinze anos, pode agravar a crise climática mundial por meio da emissão de mais GEEs. Além disso, tal contratação pode resultar num acréscimo de mais de 12% no custo da energia consumida pelos brasileiros, já que a eletricidade proveniente das termelétricas movidas a gás natural é mais cara do que outras fontes energéticas, como solar e eólica.

Controvérsias 

Embora haja movimentações no governo atual para tentar reverter ou alterar artigos específicos da Lei da Desestatização da Eletrobras, nenhum posicionamento claro sobre a decisão de contratação compulsória de termelétricas foi anunciado.

A inércia vai na contramão dos compromissos assumidos pela presidência. Na última semana, durante a Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, Lula voltou a afirmar que “a emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implementação do que já foi acordado” e que “nós, países em desenvolvimento, não queremos repetir esse modelo”.

A possível expansão do gás no Brasil também desalinha-se das demandas globais de transição energética, endossadas por movimentos sociais, ativistas e organizações que foram às ruas neste mês de setembro. Mais de 600 mil pessoas, em 60 países, realizaram ações pedindo uma mudança rápida e equitativa da matriz fóssil, como parte da campanha internacional Global Fight to End Fossil Fuels, marcando a agenda da Climate Week, que encerrou-se domingo, 24.09, em Nova Iorque.

Fragilidades da emenda 

Até agora, apenas um leilão para a contratação das termelétricas “jabutis” foi realizado. Nos Estados do Maranhão e Piauí, onde há pouca ou praticamente nenhuma infraestrutura para transporte de gás, não houve oferta. Já na região Norte houve a contratação de três usinas com capacidade instalada total de 754 MW, todas localizadas no Amazonas.

A nota técnica ainda mostra como um estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), à época do leilão, indicou fragilidades nos processos de licenciamento das usinas participantes, que envolvem processos de licenciamento recentes, sem tempo hábil para real análise dos impactos socioambientais; ausência de estudos de impacto ambiental; e dificuldade de acesso a dados públicos dos processos, inclusive para as usinas vencedoras.