Primeiro leilão de reserva de capacidade restringe contratação a termelétricas, alerta boletim do IEMA
Energia eólica e solar com tecnologias de armazenamento ficaram de fora do leilão
No dia 21 de dezembro, será realizado o Leilão de Reserva de Capacidade, que tem como objetivo o fornecimento de energia por meio da contratação de potência elétrica e de energia associada. O Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) analisou as usinas participantes e seus possíveis impactos ao meio ambiente na terceira edição do Boletim Leilão de Energia Elétrica. Neste primeiro certame, o governo restringiu o novo modelo de leilão de energia a apenas termelétricas: 90% da potência ofertada (32,7 GW) são de empreendimentos a gás natural. Leia aqui o boletim.
Foram habilitadas 106 unidades geradoras de energia que juntas somam 36,3 GW de potência ofertada e 6,3 GWmed de garantia física – conhecida como energia assegurada, que é a quantidade de energia que uma usina deve suprir, declarada em contratos de comercialização de energia. É possível notar a relevância dos empreendimentos a gás natural, que correspondem a 83% da garantia física (5,2 GWmed). O gás natural também é o combustível mais expressivo em número de usinas cadastradas, com 76 projetos. Tal domínio do gás está ligado ao fato de, neste primeiro leilão de reserva de capacidade, a energia termelétrica ter sido escolhida como a única opção de tecnologia concorrente.
Até carvão mineral
Usinas eólicas e solares ficaram de fora, mas o carvão mineral foi habilitado no leilão. Apesar de representar apenas 3% do número de usinas cadastradas, esse combustível poluidor se mostra relevante quando observamos sua participação no total de garantia física ofertada (14%). Assim, se contratadas, unidades a carvão terão operação mais inflexível, empregada além dos momentos de pico. Por outro lado, as unidades a biomassa, um combustível renovável, correspondem a 6% do número de usinas, mas são pouco expressivas no leilão quanto à potência e à garantia física ofertada, limitando-se a 1% do total.
“A crise hídrica e as lacunas no planejamento do setor deixaram clara a necessidade de potência para garantir a oferta de eletricidade em momentos de grande demanda. Assim, a iniciativa de organizar um novo modelo de leilão é bem-vinda, mas deveria abrir o espaço a todas as fontes capazes de contribuir a esse requisito”, ressalta Ricardo Baitelo, coordenador de projetos do IEMA e um dos autores do boletim. “Excluir as renováveis do leilão deixa o Brasil na contramão do mundo”, destaca Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do IEMA e também um dos autores. “A reforma do setor elétrico não está sendo norteada pela neutralidade tecnológica na expansão da oferta, como ocorre em outros países. O setor poderia definir a oferta a partir dos atributos que devem ser atendidos naquele momento, sejam de energia, capacidade ou flexibilidade, e não a partir de tecnologias ou combustíveis específicos”, conta Baitelo.
A Região Nordeste é a que mais oferece empreendimentos: quase metade do total (49), totalizando 14,6 GW de potência e 2,2 GWmed de garantia física. No entanto, a Região Sudeste, segunda em número de unidades geradoras (32), é a mais relevante em termos de potência e garantia física ofertada, 17 GW e 3 GWmed, respectivamente. As Regiões Sul e Norte entram no certame com a mesma quantidade de empreendimentos (10), mas se diferenciam quanto a potência ofertada e garantia física. Enquanto a Região Sul propõe empreendimentos que operam por um maior período (maior garantia física), como os projetos a carvão, a Região Norte traz projetos mais concentrados aos momentos de pico. Por último, a região Centro-Oeste aparece com quatro projetos.
Impactos locais cumulativos
É possível notar também que estão concorrendo um número relevante de projetos concentrados em uma mesma região, consolidando a tendência de formação de grandes complexos termelétricos, como é o caso nas cidades de Macaé (RJ), Ipojuca (PE) e Cabo de Santo Agostinho (PE). São locais que já sofrem com poluição do ar, devido a emissão das usinas, além de outras fontes, como os transportes. Com a instalação de mais usinas nessas áreas, os impactos ambientais tendem a se acumular e, portanto, precisam ser motivo de preocupação. Macaé, por exemplo, é um município que já sofre com poluição do ar e, caso algum novo projeto proposto para lá venha a ganhar o leilão, poderá ter esse problema potencializado por mais emissões provenientes da queima de combustível em termelétricas.
Leilão de Reserva de Capacidade
Nos últimos anos, o setor elétrico brasileiro vem passando por um processo de mudança e discute novos critérios de suprimento, como a necessidade de se agregar potência ao sistema brasileiro nos próximos anos. A partir disso, percebeu-se como necessária uma reforma regulatória que estipulasse a contratação de potência no curto prazo.
O leilão oferece os dois produtos: potência e energia. O suprimento de potência se diferencia do suprimento de energia por atender a momentos de alta demanda de energia ao longo do dia ou do ano. Já o suprimento de energia diz respeito a um atendimento médio de demanda ao longo do ano, sem responder necessariamente a momentos específicos de pico.