O Brasil apresenta um comportamento distinto do cenário global quando o assunto é emissões de metano. Enquanto no mundo boa parte vem do setor de energia, especialmente por emissões fugitivas, no país esse setor é menos relevante em termos proporcionais do que os outros. Isso não significa, porém, que nada precisa ser feito.
Dentro do setor energético, o consumo de lenha em fogões precários domina o panorama, revelando a urgência de uma transição justa, como destacou Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), na abertura do painel “Produção de energia, Regras Claras: Caminhos para uma transição justa” na segunda edição do seminário “Metano: Freio de Emergência Climática”, realizado por Global Methane Hub e Uma Gota no Oceano dia 17, no belo Museu das Amazônias (MAZ), em Belém, em paralelo à Conferência das Partes (COP30) sobre mudanças climáticas da Organização das Nações Unidas.

“É importante aumentar a qualidade de vida no Brasil, promovendo também uma transição justa, com acesso a energia para pessoas que, principalmente no contexto urbano, ainda utilizam lenha para cozinhar. Isso é um indicador de pobreza energética”, afirmou Barcellos.
A mesa, moderada por Henrique Bezerra, do Global Methane Hub, discutiu como o Brasil pode alinhar sua matriz energética às exigências climáticas sem aprofundar desigualdades socioambientais. Com a indústria de petróleo e gás em foco, a mitigação do metano aparece como eixo estratégico para competitividade, eficiência e cumprimento das metas nacionais e globais. Os painelistas foram: Felipe Barcellos e Silva, IEMA e Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG/ Observatório do Clima); Zerin Osho, Institute For Governance & Sustainable Development (IGSD); e Suely Araújo, Observatório do Clima.
Silva também ressaltou a necessidade de melhorar processos de exploração de petróleo e gás para reduzir emissões fugitivas, além da diminuição no consumo de combustíveis fósseis como estratégia de mitigação. Bezerra pontuou ainda a importância de aprimorar os inventários da indústria do petróleo para garantir dados mais precisos e confiáveis.
Pensando em ações relacionadas à redução do metano, Suely Araújo alertou para o risco de que uma lei específica sobre metano gere “jabutis”, isto é, inserções de temas que não têm relação direta com o objetivo principal de um projeto de lei. Para ela, diretrizes claras seriam mais eficazes, especialmente considerando que o Brasil assinou, em Glasgow (Irlanda), o compromisso global de reduzir emissões de metano, que ainda está distante de ser cumprido. Segundo relatório lançado em agosto pelo Sistema de Emissões e Remoções (SEEG), as emissões brasileiras aumentaram 6% entre 2020 e 2023.
Bezerra, reforçou que o setor energético brasileiro pode contribuir de forma significativa para esse compromisso, já que muitas medidas de mitigação são de baixo custo e baseadas na redução de ineficiências.
A conexão com a qualidade do ar também foi destacada. Silva lembrou que o uso de lenha libera, além de metano, substâncias altamente prejudiciais à saúde, como material particulado e monóxido de carbono. A produção de combustíveis também intensifica emissões de poluentes nocivos. Melhorar o monitoramento da qualidade do ar aparece, assim, como etapa fundamental para diagnósticos mais reais.
Araújo defendeu que o tema precisa entrar com mais força nos debates internacionais sobre financiamento climático, priorizando comunidades locais, populações vulneráveis e países mais pobres.
Contexto indiano
Zerin Osho, do IGSD Índia, apresentou um panorama do país, destacando que a planície do noroeste indiano é uma das regiões mais críticas do mundo em poluição do ar, com altos níveis de carbono negro e partículas finas, cenário que guarda paralelos com desafios brasileiros.
A Índia é hoje o terceiro maior emissor de metano do planeta, atrás apenas da China e da União Europeia. Diferentemente do Brasil, onde petróleo e gás têm peso expressivo, o principal setor responsável pelas emissões indianas é a agricultura, especialmente a pecuária e o cultivo de arroz. A predominância de pequenas propriedades e a informalidade dificultam o monitoramento das emissões.
Mesmo assim, o país tem avançado com soluções descentralizadas, como: uso de bactérias e técnicas alternativas de plantio e secagem; estratégias capazes de reduzir entre 40% e 50% as emissões do cultivo de arroz em estados como Uttar Pradesh; investimentos robustos em tecnologia digital para orientar agricultores sobre irrigação, colheita e preparo para eventos climáticos extremos.
Essas iniciativas revelam caminhos possíveis para reduzir emissões de metano com inovação, eficiência e apoio às comunidades agrícolas.
Sobre o seminário
Das 13h às 17h, especialistas, cientistas, gestores públicos e lideranças comunitárias se reuníram para debater soluções urgentes para reduzir os gases superpoluentes — com foco no metano (CH₄), gás com poder de aquecimento 80 vezes maior que o dióxido de carbono em 20 anos e responsável por 30% do aquecimento global desde a Revolução Industrial. O seminário foi realizado em parceria com a Editora Globo e o Instituto de Desenvolvimento e Gestão, integrando a campanha internacional do Global Methane Hub e reforçando o papel estratégico do Brasil, quinto maior emissor de metano do mundo, na agenda global de superpoluentes.