Grande base de dados, plataforma de dados abertos, repositório de dados de fácil uso e ambiente para ideias inovadoras, entre as quais a que deu origem ao MapBiomas, o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) é um dos grandes trunfos do Brasil para o planejamento e o monitoramento das metas climáticas, conforme mostrou David Tsai, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), em encontro durante a COP26, em Glasgow, Escócia. Além de David Tsai, representando também o Observatório do Clima (OC), estiveram presentes no evento Carolina Genin, diretora de clima do WRI Brasil, como mediadora; Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas; Natalie Unterstell, diretora do Instituto Talanoa; Caroline Rocha, gerente de clima do WRI Brasil; e Leo Botelho, do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES).
O debate “As ferramentas brasileiras de planejamento e monitoramento das NDCs” aconteceu no espaço Brazil Climate Action Hub, no dia 8 de novembro, e está disponível em: https://www.brazilclimatehub.org/events/as-ferramentas-brasileiras-de-planejamento-e-monitoramento-das-ndcs/
O objetivo do painel, segundo a mediadora Carolina Genin, do WRI Brasil, era mostrar como ferramentas desenvolvidas no Brasil, algumas das quais já exportadas para outros países, podem ajudar a acelerar e dar transparência à implementação das metas climáticas acordadas internacionalmente, conhecidas como NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada).
Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, apresentou o projeto Política por Inteiro, que monitora para qual direção cada política pública anunciada como relevante para as metas climáticas sinaliza que está apontando o leme. Com isso, pretende-se medir como as políticas contribuem ou afastam o País da sua ambição declarada de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Impacto da ação governamental
Caroline Rocha, gerente de clima da WRI Brasil, apresentou o sistema EPS, desenvolvido fora do Brasil e apelidado no País como Sinapse, que simula o impacto de políticas públicas com incidência nas emissões de GEE e pode ser usado por tomadores de decisões nos âmbitos público e privado.
Os gráficos gerados na plataforma comparam o potencial de mitigação de cada política pública em relação às metas do Quarto Inventário Nacional e ao padrão do Business As Usual (BAU, acrônimo para Negócios Como Sempre ou o modelo do capitalismo sem a preocupação climática). À versão brasileira foi adicionado o tópico Uso da Terra, que a versão dos Estados Unidos não tinha.
Leo Botelho, do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), disse que o banco lançou o Portal NDC, em que publica com transparência a estimativa das emissões evitadas por meio de seus desembolsos de 2016 em diante atrelados às metas climáticas oficiais do Brasil (NDCs) em três setores: energia renovável, mobilidade urbana e florestas. “Alcançamos números impressionantes. Imagine retirar todos os carros de São Paulo. Foi o total de emissões que conseguimos evitar.” Segundo Leo Botelho, a metodologia usada pelo BNDES está exposta no portal.
Estimativas de emissões esmiuçadas
David Tsai, do IEMA, relatou brevemente a história de desenvolvimento do SEEG e mostrou como a plataforma vem tornando disponíveis, gratuita e abertamente, cada vez mais dados qualificados e precisos sobre as emissões de GEE e suas fontes, divididas por setor da economia. E não só no Brasil. O SEEG está presente também no Peru e Índia. Diferentemente dos Inventários Nacionais, publicados pelo governo em intervalos longos, o SEEG gera relatórios anuais, é aprimorado constantemente e dá origem a novos produtos.
Em 2020, ele deu origem a um relatório especial para avaliar o impacto da pandemia. No mesmo ano foi lançado o SEEG Municípios, que desagrega as emissões para cada localidade brasileira. Em 2021 foi produzido também um catálogo de soluções para engajar os municípios em ações de mitigação. O relatório mais recente procura responder se o Brasil cumpriu suas metas, se a política de mudança climática iniciada em 2009 teve impacto e se o legado dessa política é positivo ou negativo para o período pós-2020 em relação ao Acordo de Paris. E, em complemento aos mapas e tabelas dinâmicas, o SEEG traz ainda infográficos prontos, vídeos tutoriais e outros materiais de fácil entendimento e uso para jornalistas e escolas.
Além disso tudo, acrescenta David Tsai, do SEEG surgiram ideias para novos projetos, tais como o Monitor Elétrico, ferramenta de atualização diária sobre a composição da matriz elétrica brasileira e suas emissões de GEE; o MapBiomas, sobre o qual o painelista Tasso Azevedo falou no mesmo evento (leia mais adiante); e uma iniciativa que está sendo criada para aprimorar a oferta de dados sobre poluentes atmosféricos locais e qualidade do ar.
Segundo Tsai, o SEEG permitiu analisar cada meta climática assumida pelo Brasil e extrair algumas conclusões relevantes sobre o cumprimento dessas metas até agora. A primeira delas é que o ciclo projetado para 2020 foi encerrado dentro do limiar menos ambicioso. A segunda é que as emissões estão crescendo e não existe um plano para alcançar a meta de 2025. A terceira é que o desmatamento da Amazônia foi quase três vezes maior que o previsto no compromisso assumido pelo País para o período. Por fim, a governança climática do Brasil deve ser reconstruída para que a efetiva implementação dos compromissos firmados e o estabelecimento de metas mais ambiciosas sejam possíveis.
Imagens de satélite
Tasso Azevedo, do MapBiomas, procurou resumir uma quantidade significativa de informações sobre a extensão e as utilidades do projeto que coordena, do qual participam várias organizações. “Criamos um monstro”, ironizou. Nascido de uma preocupação com a questão do uso da terra no Brasil, segundo Tasso responsável por 70% de todas as emissões no país, diferentemente do que acontece em países como Estados Unidos e Rússia, o MapBiomas hoje tem muitas aplicações.
Em suma, explica Tasso Azevedo, o objetivo do MapBiomas é entender todas as mudanças que acontecem no uso da terra e florestas numa escala bem refinada, a partir do exame de imagens de satélite, no nível do pixel, a cada 17 dias, por aprendizado de máquina e inteligência artificial. “São 9,5 bilhões de quadradinhos de 30 por 30 metros que nos permitem entender cada evento de desmatamento, tudo que acontece com as árvores, tudo que acontece com o fogo. E todas as propriedades do CAR (Cadastro Ambiental Rural) estão lá. O governo gerou mil laudos em 2018. Nós geramos 1500 laudos por semana. Nenhum país faz isso anualmente. É ciência brasileira, e o código está aberto”, diz Azevedo.
Com esses dados tão precisos, esclarece Azevedo, começa a ficar muito mais claro qual desmatamento foi ilegal, quem foi o responsável, quem embargar, qual providência deve ser tomada. “Temos placa do carro que cruzou o farol vermelho”, compara. “Os instrumentos estão dados. Só falta transformá-los em ação.”