COP29: Transição justa, emissões e metano na Terra do Fogo

Veja as impressões do IEMA sobre o encontro que definiu como será o financiamento da transição energética e da mitigação e adaptação das mudanças climáticas

O fogo está para o Azerbaijão, assim como as florestas representam o Brasil. A relação entre o país e o fogo remonta à antiga presença de fontes naturais de gás e petróleo na região. A chama não traz apenas um simbolismo cultural e histórico para o país, como fornece o calor para sua sobrevivência. Difícil dissociar o país da sua relação milenar com o elemento; o fogo é o início – e pode ser o fim.

As chamas estavam por todas as partes: emergindo da terra, nos tapetes verdadeiramente persas, nas estampas das roupas, na arquitetura. Foi nessa “Terra do Fogo”, como é chamado o Azerbaijão, que aconteceu a 29ª Conferência das Partes (COP 29), encontro das Nações Unidas para discutir mudanças climáticas, entre 11 e 22 de novembro.

Até o símbolo da conferência leva a imagem de “chaminhas” estilizadas pelos corredores do Estádio Olímpico de Baku, que teve 70 mil cadastrados. A COP 29 refletiu as silhuetas das labaredas das discussões que ocorriam nas plenárias e em portas fechadas, em desentendimentos mundo afora. 

Principais resultados

O principal resultado aguardado da COP 29 em Baku era a tomada de decisões sobre financiamento, um tema central para superar o impasse dos últimos anos no apoio financeiro aos países em desenvolvimento. Esse suporte seria crucial para ações urgentes de mitigação, adaptação e gestão de perdas e danos causados pelas mudanças climáticas, além de garantir o cumprimento das NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada) – compromisso que cada país apresenta, de forma voluntária, para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e se adaptar às mudanças climáticas – dos países mais vulneráveis.

No entanto, os prognósticos pessimistas se concretizaram, seguindo a continuidade das dificuldades nas negociações por recursos financeiros capazes de apoiar ações em países em desenvolvimento. O documento final, após idas e vindas em textos intermediários divulgados, firmou 300 bilhões de dólares anuais visando provisionar 1,3 bilhões até 2035. Esses recursos podem ter origens diversas (públicas ou privadas) e assumir formas variadas (doações ou empréstimos), contrariando a demanda do Sul Global por verbas exclusivamente em forma de doações, sem juros de mercado.

O pedido da sociedade civil por recursos públicos dos países desenvolvidos, que não perpetuasse a dívida de países em desenvolvimento em condições injustas de empréstimos foram ignorados e a classificação do financiamento incluiu recursos privados e convocou tanto países desenvolvidos quanto em desenvolvimento para sua provisão. 

Brasil na COP

O Brasil deu o exemplo ao ser um dos primeiros países a apresentar sua nova NDC. As metas de corte de emissão foram entregues na primeira semana da Conferência das Nações Unidas, dentro de uma banda ou intervalo de 850 milhões a 1,05 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e), válidos para toda a economia brasileira. Uma breve análise do Observatório do Clima com participação do IEMA comparou a ambição da meta com a proposta de NDC do Observatório do Clima publicada em agosto, que pleiteou emissões líquidas de no máximo 375 MtCO2e em 2035.

A análise também mostrou como essas metas ficam aquém da redução de emissões prevista nos compromissos já assumidos pelo Brasil, como as políticas energéticas, o desmatamento zero e o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa. Tais iniciativas garantiriam um patamar de emissões líquidas de 642 MtCO2e em 2035, bem abaixo do valor inferior da banda proposta. Seguir o patamar de 850 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) significaria  permitir níveis altos de desmatamento em 2035 ou, no caso de alcançada a meta de desmatamento zero, espaço para que os demais setores dobrem suas taxas anuais de crescimento.

O Observatório do Clima recomendou ao governo brasileiro que adote apenas o piso de 850 MtCO2e para a elaboração dos planos setoriais de mitigação, a serem entregues em 2025. 

Em outra nota, o Brasil defendeu a menção à descontinuidade (ou phase-out) de combustíveis fósseis no texto final da COP29, mas foi voto vencido. Como presidente da próxima Conferência das Partes, o país tem o poder de pautar a discussão em Belém. Porém, a NDC silencia sobre os próprios planos brasileiros de expansão da demanda e da produção de combustíveis fósseis prevista no recém lançado Plano Decenal de Expansão de Energia 2034.

Participação do IEMA

A transição energética foi o fio condutor dos diferentes eventos em que o IEMA participou, como o caso do debate sobre os impactos da infraestrutura de energia e transportes na Amazônia e sobre os gargalos de energia e serviços básicos de comunidades remotas. Mais de três mil escolas na região e de mil unidades básicas de saúde (UBS) não têm acesso à eletricidade. Com o mesmo clamor por justiça climática, representantes da América Latina, Ásia e África enfatizaram os impactos sociais e ambientais da exploração de GNL (gás natural liquefeito).

O IEMA abordou os desafios e os avanços da transição energética no Brasil. Apesar de uma matriz elétrica majoritariamente renovável, o país ainda tem desafios para eliminar a participação de combustíveis fósseis. Debateu ainda a contradição do Brasil ao expandir a exploração de petróleo e gás, especialmente na Foz do Amazonas, enquanto promove suas ações climáticas internacionalmente. 

Ainda no tema de gás e petróleo, mirando para Belém,  sede da COP 30, outro painel  alertou que a cidade terá como vizinho o maior complexo termelétrico do Brasil. com a instalação da  usina Novo Tempo em Barcarena. O GNL empregado nessas usinas, apesar de emitir menos carbono, libera metano durante sua cadeia de produção e transporte, agravando os impactos climáticos.

Conversas específicas sobre mitigar as emissões do gás metano, que tem potencial de esquentar a temperatura global até 28 vezes superior ao CO2, também foram um destaque nesta conferência para o IEMA. O Brasil é o quinto maior emissor de metano no mundo, com o setor agropecuário respondendo pela maior parte dessas emissões, com o gado de corte como a principal fonte: 62%. As emissões de metano no país aumentaram em 6% entre 2020 e 2023, na contramão do acordo internacional assinado pelo Brasil na COP26 em Glasgow, que estabeleceu o compromisso de reduzir as emissões mundiais em 30% nesta década. O Rio de Janeiro aparece como a cidade mais emissora de metano por conta do setor de resíduos.

Preparativos para a COP 30

É importante ressaltar que a presidência da Conferência das Partes envolve a liderança de um processo global em dar andamento às ações urgentes para mitigação e adaptação à crise climática. Assim, a diplomacia do Brasil terá a missão de reforçar, por mecanismo formal ou processo de implementação, a transição energética e a descontinuidade dos combustíveis fósseis inserida na COP 29, mas não desenvolvida no Azerbaijão.

Espera-se que Belém (Pará) promova esses avanços significativos focando na justiça climática e em ações concretas. Caminhando do aquecimento do fogo para a proteção de vastidões como a calorosa Amazônia.