Escoar grãos pelo Arco Norte pode aumentar desmatamento da Amazônia e impactar comunidades locais

Faltam análises sobre exportação de soja pelo Leste do Brasil, revela debate no evento on-line “Corredores verdes para a soja: a rota sustentável até a China”

Como descarbonizar a exportação agrícola brasileira? O evento “Corredores verdes para a soja: a rota sustentável até a China” reuniu especialistas e representantes governamentais e do terceiro setor para discutir a questão, no dia 30 de novembro. Na ocasião, o debate “A saída pelo mar – Navegar é preciso: Como portos mais eficientes e navios de maior porte podem melhorar nossas exportações” contou com a colaboração do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) na discussão sobre a possibilidade de se formar corredores logísticos verdes. Para qualquer carga chegar ao porto, ela precisa ser transportada. No entanto, a definição de em quais condições isso acontece ou está previsto para ocorrer deve contar com a participação da sociedade no processo decisório, de modo institucionalizado, para evitar mais impacto ao meio ambiente e ameaça às comunidades locais. 

O encontro em questão foi moderado por Beatriz Seixas da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) e teve apresentações de: André Luis Ferreira, diretor-presidente do IEMA, Thiago Péra, coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Universidade de São Paulo (Esalq-Log), Tiago Buss, da EC Consultoria e do comandante Fernando Alberto Costa, oficial da reserva da Marinha do Brasil. A exposição feita pelo IEMA contou com dados levantados por meio do projeto “Infraestrutura de Transporte Sustentável na Amazônia”, que teve apoio da Fundação Moore e da Climate and Land Use Alliance (CLUA) com o objetivo de fortalecer a capacidade das organizações da sociedade civil, contribuindo para a qualificação do debate sobre política, planejamento e regulação do transporte de cargas.

Infraestrutura de transporte

Os corredores logísticos abordados se referem ao transporte da carga desde as regiões produtoras até os portos brasileiros. “No IEMA, mapeamos a infraestrutura de transporte planejada e prevista pelo poder público e privado, identificando cerca de 200 estruturas de logística já previstas ou desejadas”, explicou Ferreira. “O resultado mostra o reforço do movimento ao Arco Norte, em área sensível na Amazônia”, completa. Um dos problemas comentados por Ferreira foi o aumento e o estímulo para exportar commodities agrícolas via Arco Norte, região próxima à margem esquerda (norte) do rio Amazonas e um dos locais onde a floresta está mais preservada, repleta de espécies animais e vegetais endêmicas e onde vivem comunidades com culturas únicas que necessitam da fauna e flora nativas para sobrevivência.

Em dez anos, a exportação de soja via portos da Região Norte cresceu de 12% para 31%. Esses portos, hoje em dia, já servem principalmente ao agronegócio. Além disso, o atual Plano Nacional de Logística (PNL) aponta um crescimento projetado de até 50% da produção de grãos. “Mas por onde queremos escoar isso?”, questiona Ferreira. Atualmente, a maior parte da produção agrícola é escoada pelo rio Madeira (Rondônia e Amazonas), BR-163 (rodovia longitudinal do Brasil), BR-158/155 (Minas Gerais). Utiliza-se ainda a ferrovia que corta o estado de São Paulo via concessionária Rumo e sai pelos portos de Santos (SP) e Vitória (ES).  

“O que chama a atenção no Plano Nacional de Logística é que ele dobra a aposta na saída pela Região Norte”, ressalta Ferreira, principalmente via Ferrovia Ferrogrão (na Bacia do Tapajós, localizada nos estados do Mato Grosso, Pará e Amazonas), seguida pela Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO) e por Ilhéus (Bahia). Todos os seis cenários propostos no PNL apostam na saída pelo Arco-Norte. “Nenhum conta com reforço pelo Leste (como a Região Sudeste e Nordeste)”, diz Ferreira. Aliás, a demanda do Porto de São Luís, Maranhão, segundo o PNL deve até diminuir. Seria esse o caminho mais interessante para o país? “Precisamos fazer uma separação do que é interessante ao país e do que é para o transporte de grãos. Não temos essa análise comparativa, sobre o que significaria uma aposta de escoar mais essas mercadorias pelos portos do leste”, destaca André Luis Ferreira.

Investir em uma infraestrutura que passe pelo Arco Norte (e não que beneficie quem vive na região) pode trazer diversos problemas como mais vulnerabilidade social e ambiental e aumento do desmatamento indireto. É preciso pensar que a descarbonização do transporte de mercadorias se dá não apenas pelo modo de transporte. Dependendo de onde a infraestrutura é implantada, gera-se desmatamento indireto e elevação de emissões que não vão se dar no veículo.

Falta análise de alternativas

“Não existe estudo técnico fundamentado sobre questões econômicas, ambientais e sociais”, alerta Ferreira. “O custo privado mais baixo pode ser uma leitura de curto prazo. Na região, há terras indígenas, desmatamento, questões de direitos humanos que não aparecem nos custos privados”, completa. Por isso, é importante avaliar a viabilidade de um cenário logístico saindo pelos portos do Leste do país.

“Se o PNL seguisse as boas práticas, traria mais opções”, conta. Há necessidade de análises de alternativas logísticas. “O governo e os produtores de grãos precisam ter esse debate, inclusive, considerando se o plano atual é o melhor caminho olhando para o futuro do Acordo de Paris.” Segundo o “Guia Prático de Análise Custo-Benefício de Projetos de Investimento em Infraestrutura”, documento produzido pelo Ministério da Economia do próprio governo: “Para avaliar a viabilidade técnica, econômica e ambiental de um projeto, um rol adequado de alternativas deve ser previamente considerado e comparado. Recomenda-se realizar, como um primeiro passo, uma análise estratégica de opções, tipicamente executada em uma etapa de pré-viabilidade”.

Ou seja, a boa prática exige uma seleção anterior, com diversas opções, até se definir qual a saída seria mais interessante. Sem isso, torna-se frágil e arriscado o que é apresentado hoje no país. É preciso discutir uma série de alternativas para discutir os pontos críticos de infraestrutura. A partir desses critérios e procedimentos técnicos de planejamento e processo decisório, tem origem um conjunto de cardápio de projetos.

Urgentemente, a participação da sociedade no processo decisório deve ser institucionalizada. “O Brasil precisa produzir cenários de infraestrutura independentes para demonstrarmos a viabilidade de cenários alternativos. O que é proposto hoje não é independente”, ressalta Ferreira, do IEMA. É preciso lembrar que o desmatamento não impacta, apenas, as emissões de gases de efeito estufa e, consequentemente, a piora das mudanças climáticas. Ele está relacionado com crise hídrica, com a mudança do regime de chuvas. O que é preciso: institucionalizar o processo decisório e utilizar critérios objetivos na seleção e na priorização dos projetos para licitação (testar cenários de infraestrutura concorrentes previamente à definição dos portfólios Plano Plurianual, PPA, e Programa de Parcerias de Investimentos, PPI); garantir para cada etapa do processo decisório a ampla e adequada discussão com a sociedade; e produzir cenários de infraestrutura independentes para demonstrar a viabilidade de corredores logísticos alternativos aos portfólios atuais. 

Até a China

O Brasil ultrapassou os Estados Unidos na venda de soja para a China, sendo essa a maior compradora da commodity brasileira, segundo Thiago Péra (Esalq-Log). Sobre os custos logísticos, 70% estão no Brasil – e não nas embarcações – sendo a maior parte deles proveniente do transporte do grão. De acordo com Tiago Buss, da EC Consultoria, o ideal seria investir em transporte via ferrovias, visto que consomem menos combustível. Com relação aos navios, a maior sustentabilidade “depende de sermos grandes e eficientes”. Por fim, o comandante Fernando Alberto Costa lembrou que a Organização Marítima Internacional (IMO, em inglês) precisa reduzir as emissões globais dos navios em 50% até 2050. 
O evento foi uma realização do Instituto O Mundo Que Queremos, com apoio da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), do Instituto Clima e Sociedade, do portal Um Só Planeta e da Convergência pelo Brasil, união dos ex-ministros da Fazenda e presidentes do Banco Central por uma agenda de desenvolvimento sustentável para o Brasil.