COP25: o que vimos sobre transporte e poluição do ar

É preciso garantir que a necessária disrupção tecnológica para enfrentar as mudanças climáticas aconteça, mas sem reproduzir ou aprofundar as desigualdades sociais

Estivemos, pela primeira vez, na Conferência das Partes (a COP25), encontro anual promovido pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC, UNFCCC, em inglês) para os países debaterem o enfrentamento às mudanças climáticas globais. Um dos nossos objetivos foi acompanhar as discussões, os desafios e as novas abordagens associadas às emissões de gases de efeito estufa da atividade de transporte e também sua relação com a poluição do ar.

Participamos de eventos paralelos oficiais e de eventos de estandes de países e instituições sobre esse assunto. Como vem usualmente ocorrendo, figuraram principalmente os temas de veículos elétricos, transporte público e mobilidade ativa como formas de mitigar as emissões. Os papéis dos biocombustíveis e da infraestrutura logística de transporte de cargas em escala doméstica apareceram de forma bastante tímida.

Entre outros debatedores, representantes da Plataforma Global pelo Direito à Cidade[1] apresentaram a  necessidade de considerar também, no desafio global sobre as mudanças climáticas,  transformações estruturais no planejamento das cidades e suas formas de ocupação territorial, de modo a promover locais que respeitem os direitos humanos e o direito à cidade (veja a gravação do evento paralelo oficial sobre Assentamentos Humanos e Mudanças Climáticas[2]).

A relação entre Clima e Saúde esteve muito presente nessa edição da COP, com destaque para a poluição do ar. Um evento paralelo oficial organizado pelas Nações Unidas debateu sobre investimentos em ações climáticas para a Saúde: “cortar emissões, limpar nosso ar, salvar vidas[3]. A presença na plateia da rainha da Espanha, Letizia Ortiz Rocasolano, denotou a importância dada ao tema, que foi corroborada pela liderança da Organização Mundial da Saúde (OMS) ao criar a expectativa da próxima COP ser uma “COP da Saúde”. A COP26 acontecerá em Glasgow, Escócia, Reino Unido. Lembrando que a Revolução Industrial, que trouxe consigo a queima massiva de combustíveis que poluem o ar, tem seu berço em território bretão. Assim, o local poderá se apresentar como um mote icônico para a definição de compromissos e ações efetivos para o combate à poluição atmosférica!

Acompanhamos algumas discussões sobre ambição climática. A ambição neste contexto representa os passos reais que os países estão dando para alcançar a meta de estabilização da concentração de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. A partir do Acordo de Paris, firmado em 2015, os países devem reportar suas Contribuições Nacionalmente Determinadas, chamadas NDC, elencando suas ações de mitigação de GEE. A cada cinco anos, as NDCs devem ser revisadas e aprimoradas, e os países têm a chance de mostrar um aumento na sua ambição, planejando maiores ações. O primeiro ciclo se encerra no próximo ano, 2020, quando novas NDCs deverão ser submetidas à CQNUMC. Destacamos três aspectos relacionados à ambição e às NDCs, presentes nas discussões:

  • O Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (IDDRI, baseado na França)[4] defendeu a conformação de processos domésticos de construção de Estratégias de Longo Prazo (ELP)[5], buscando superar o desafio de basear o planejamento em ciclos eleitorais. As ELP poderiam constituir instrumentos para definir a ambição, implementar medidas de mitigação e adaptação e realizar uma transição justa. Entendemos que este é um caminho interessante a ser perseguido na trajetória de desenvolvimento social e econômico do Brasil. Um exemplo: as ações de mitigação relacionadas ao transporte regional de cargas só podem ser bem desenhadas de acordo com uma ampla estratégia de desenvolvimento territorial e social de longo prazo.
  • Estivemos presentes em discussões sobre como conectar o planejamento e as ações locais das cidades no arcabouço de escala nacional das NDCs. Como agregar os diferentes planos locais ou regionais de redução de emissões, produzidos a partir de diferentes premissas e métodos, no nível nacional? O caso dos planos municipais de mobilidade urbana se enquadra nessa questão. Trata-se de um grande desafio de coordenação entre esferas de governo e também de harmonização de dados e metodologias de quantificação de emissões. Para contribuir nesse sentido, o IEMA planeja, em 2020, junto a organizações parceiras, realizar as estimativas de emissões de gases de efeito estufa para todos os municípios brasileiros no Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
  • Apareceu, novamente, a questão da saúde. A Coalizão Clima e Ar Limpo (Climate and Clean Air Coalition, CCAC) organizou um evento paralelo oficial que discutiu o fortalecimento de promessas climáticas: mitigação de curto prazo via provisões de NDC e qualidade do ar[6]. Durante a COP, o IEMA aderiu à campanha da AIDA-Americas sobre a inclusão de medidas para combater os poluentes climáticos nas NDCs[7].

Finalmente, as expressões “transição justa” e “justiça climática” permearam os debates. Foi alertado que as medidas de mitigação por vezes podem negligenciar o aspecto social. É uma questão sensível, principalmente, para países como o Brasil, com grandes desigualdades sociais arraigadas em padrões estruturais. É preciso garantir que a disrupção tecnológica preconizada no transporte urbano de passageiros não reproduza e, até mesmo aprofunde, a desigualdade das condições de mobilidade e acesso vigentes nas grandes cidades brasileiras. O evento paralelo oficial “Transição justa para uma economia verde inclusiva[8] foi um dos que debateu essa questão, sob a ótica das transformações nos empregos.

Ainda nessa direção, durante o Transport Day, dia em que há uma série de debates sobre o transporte, organizados pelo país que hospeda a COP, Chile no caso, lembrou-se que diversas das recentes convulsões sociais no mundo (os coletes-amarelo na França, Brasil em 2013, Equador e Chile em 2019) estiveram intimamente ligadas aos elevados custos de transporte que pesam sobre as populações mais vulneráveis.

Com a função intrínseca de promover o deslocamento de pessoas e bens de maneira adequada, a necessidade de assegurar boa qualidade do ar, o dever de perseguir uma trajetória de descarbonização e com o advento das novas tecnologias, o transporte é uma das atividades humanas que devem sofrer intensas transformações no futuro. O que vimos na COP, tratando-se aqui dos eventos paralelos e de pavilhões – fora do âmbito das negociações de fato –, decerto enriqueceu nosso entendimento de que o caminho a ser seguido no nível doméstico não pode dissociar mudanças climáticas de desenvolvimento social. Além disso,  fortaleceu nossa intenção de contribuir com o país para as próximas rodadas da convenção.


[1] https://www.right2city.org/

[2] https://join-emea.broadcast.skype.com/unfccc365.onmicrosoft.com/34047f5fbb6c4b71ae32ed9e308587f1

[3] https://join-emea.broadcast.skype.com/unfccc365.onmicrosoft.com/8b86bf9466144cbda97eb8115cb0d603

[4] https://www.iddri.org/en

[5] https://join-emea.broadcast.skype.com/unfccc365.onmicrosoft.com/c691e8cb990541059c78615f464540c5

[6] https://join-emea.broadcast.skype.com/unfccc365.onmicrosoft.com/37bf358303764e609765de67f42607e5

[7] https://drive.google.com/file/d/16AGny2G6e-rqXw4qN30klyQZ-J6eqlXx/view

[8] https://join-emea.broadcast.skype.com/unfccc365.onmicrosoft.com/ae9897cdff894c249997ddd6d329decf