Agropecuária norteia emissões no Centro-Oeste

Criação de gado e desmatamento estão entre as principais fontes de GEE na região, de acordo com SEEG Municípios

O setor agropecuário é o principal responsável pela emissão de gases de efeito estufa em 79,4% dos 467 municípios do Centro-Oeste brasileiro, especialmente nos estados de Mato Grosso e Goiás. A região emitiu 383,3 milhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e) na atmosfera em 2018, o correspondente a 20% do total nacional, de acordo com a primeira edição do SEEG Municípios, uma iniciativa do Observatório do Clima. O cálculo leva em conta o CO2 e outros gases ligados ao aquecimento global, como metano (CH4) e óxido nitroso (N2O).

“A chamada fermentação entérica é o fator que contribui para a maior parte das emissões no âmbito da agropecuária nessa região do país”, informa Renata Potenza, coordenadora de projetos do Imaflora, organização responsável por compilar as informações sobre esse setor. Ela se refere ao processo de digestão do rebanho bovino, durante o qual os animais liberam gás metano via eructação – o popular “arroto” do boi. 

É a região que mais emite gases de efeito estufa em atividades de agricultura e pecuária. “Um caso emblemático é Corumbá, no Mato Grosso do Sul”, diz Potenza. Das 6,3 milhões de toneladas de CO2e liberadas pelo município em 2018, cerca de 58% foram emitidos pela agropecuária, fazendo de Corumbá uma das cidades mais emissoras de gases de efeito estufa no Brasil. “O município é um dos maiores produtores de gado e commodities que exigem manejo do solo, como soja e milho.”

No quadro geral, as emissões do Centro-Oeste diminuíram se comparadas com o total registrado no ano de 2000, quando a região emitiu 552,3 milhões de toneladas de CO2e. Contudo, é possível identificar aumento das emissões analisando separadamente os setores observados no levantamento. 

No caso da agropecuária, a emissão no ano de 2000 havia sido de 134,7 milhões de toneladas de CO2e no Centro-Oeste. Já em 2018, esse número saltou para quase 180 milhões de toneladas. Chama a atenção a queda registrada, no mesmo período, nas emissões provenientes de mudanças de uso da terra e florestas – decorrentes basicamente do desmatamento. Em 2000, cerca de 393,5 milhões de toneladas de CO2e haviam sido emitidas na região; em 2018, foram 162,9 milhões de toneladas de CO2e.

“Isso era esperado”, comenta Bárbara Zimbres, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), uma das entidades que participaram do levantamento. “O predomínio da agropecuária como principal emissor na região sugere que muitas áreas de vegetação nativa já foram degradadas nas décadas anteriores”. 

Ainda assim, alterações no uso da terra despontam como principal fonte de emissões entre os 15 municípios do Centro-Oeste que mais emitiram CO2e em 2018. O município de Colniza (MT) destaca-se como aquele que mais liberou gases de efeito estufa na região, com 14,3 milhões de toneladas de CO2e em 2018. Cerca de 91% dessas emissões são provenientes de mudanças de uso da terra, especialmente do desmatamento. 

“Colniza é o sexto maior emissor do país e tem uma das maiores emissões brutas per capita do Brasil, algo em torno de 380 toneladas/habitante”, ressalta Zimbres. É como se cada habitante da cidade tivesse mais de 500 carros rodando 20 quilômetros por dia.

Por falar em carros, entre os 15 municípios mais emissores no Centro-Oeste, nota-se que Brasília, no Distrito Federal, é o único que tem no setor de energia sua principal fonte de emissões – devido sobretudo ao consumo de combustíveis fósseis, como diesel e gasolina, nos transportes. Elaborado pelo arquiteto Lúcio Costa (1902-1998), o projeto de Brasília é baseado na setorização da cidade, o que reforçou o modelo rodoviarista no município, marcado pela insuficiência do transporte público. 

“O setor de energia também é uma fonte robusta de poluentes e gases de efeito estufa nas outras capitais”, afirma Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). “Com o crescimento populacional observado nos últimos anos nas capitais, as emissões de gases de efeito estufa decorrentes do consumo de energia também aumentaram”, avalia Barcellos. Em 2000, o Centro-Oeste emitiu 19,3 milhões de toneladas de CO2e no âmbito do setor de energia. Em 2018, foram mais de 30 milhões de toneladas. 

As capitais e outros municípios populosos, como Aparecida de Goiânia (GO) e Três Lagoas (MS), também são responsáveis por emissões decorrentes do setor de resíduos. “Cidades grandes e populosas são aquelas onde o tratamento de resíduos é uma fonte relevante de gases de efeito estufa, ainda que essa categoria responda por apenas 4% das emissões brutas do Brasil”, diz Iris Coluna, engenheira ambiental do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade. De acordo com ela, a região Centro-Oeste responde por 8% das emissões desse setor. 

Brasília é a única cidade do Centro-Oeste que figura entre os dez municípios brasileiros que mais emitem gases de efeito estufa pela disposição final de resíduos sólidos em aterros sanitários, aterros controlados ou lixões. “Cerca de 74% dos municípios da região têm como principal fonte de emissão, dentro do setor de resíduos, a disposição final do lixo”, sublinha Coluna. O restante é contabilizado como efluentes domésticos ou industriais.

O levantamento do Observatório do Clima não é feito só de emissões. As análises também levam em conta ações de remoção de gases de efeito estufa colocadas em prática nos municípios. “É possível remover CO2 da atmosfera a partir de alterações de cobertura e uso da terra”, afirma Zimbres, do Ipam. “Isso pode ser feito por meio do manejo de áreas protegidas, como terras indígenas, ou de florestas secundárias, formadas em áreas degradadas”, explica a pesquisadora.

Mesmo municípios com altas taxas de desmatamento, como Aripuanã e Peixoto de Azevedo, ambos no Mato Grosso, conseguem remover volumes consideráveis de carbono da atmosfera, reduzindo as chamadas emissões líquidas. Ao todo, o Centro-Oeste foi responsável pela remoção de 61,4 milhões de toneladas de CO2e da atmosfera em 2018, graças, principalmente, à preservação de áreas protegidas.

Para Iris Coluna, um dos méritos do SEEG Municípios é disponibilizar dados locais para que cada cidade possa elaborar suas próprias estratégias de redução de emissões. “Ter acesso a esse tipo de informação é importante, porque permite que o município compreenda sua realidade ambiental e enfrente os problemas de maneira mais efetiva.”

Na visão do engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador-geral do SEEG, o levantamento fornece informações para que gestores municipais e outros atores sociais possam se concentrar exclusivamente na elaboração de planos e políticas públicas.

“Até hoje, menos de 5% dos municípios brasileiros tinham algum inventário de emissões de gases de efeito estufa. Como os dados são disponibilizados de forma aberta e gratuita, significam também uma enorme economia de recursos públicos, que podem ser direcionados em ações para reduzir emissões”, observa Azevedo.

Os dados completos estão disponíveis na plataforma seeg.eco.br.

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Sobre o Observatório do Clima: rede formada em 2002, composta por 63 organizações não-governamentais e movimentos sociais. Atua para o progresso do diálogo, das políticas públicas e processos de tomada de decisão sobre mudanças climáticas no país e globalmente. Site: www.oc.eco.br.

Sobre o SEEG: O Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa foi a primeira iniciativa nacional de produção de estimativas anuais de emissão para toda a economia. Ele foi lançado em 2012 e incorporado ao Observatório do Clima em 2013. Hoje, é uma das maiores bases de dados nacionais sobre emissões de gases estufa do mundo, compreendendo as emissões brasileiras de cinco setores (Agropecuária, Energia, Mudança de Uso da Terra, Processos Industriais e Resíduos). As estimativas são geradas segundo as diretrizes do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), com base nos Inventários Brasileiros de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).

Atuaram no SEEG Municípios pesquisadores das ONGs: Ipam e Imazon (Mudança de Uso da Terra), Imaflora (Agropecuária), Iema (Energia e Processos Industriais) e ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade (Resíduos). O SEEG Municípios é apoiado pela União Europeia, por meio do Instrumento de Parceria da UE e o Ministério do Meio Ambiente da Alemanha (SPIPA/EU-BMU), pela Climate and Land Use Alliance e pelo Instituto Clima e Sociedade.

This event has been organised with the financial support of the European Union’s Partnership Instrument and the German Federal Ministry for the Environment, Nature Conservation, and Nuclear Safety (BMU) in the context of the International Climate Initiative (IKI). The opinions expressed are the sole responsibility of the speakers and do not necessarily reflect the views of the funders.