O Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) lança dia 25 de agosto o estudo inédito “Perspectivas para uma Transição Energética Justa no Transporte Público Coletivo no Brasil”, que aborda a transição energética na mobilidade urbana sob a ótica da política pública – e não de tecnologia de veículos. Ele analisa as condições reais para sua implementação no Brasil considerando a crise no transporte público e a necessidade da troca de geração de energia por fontes menos poluentes. Em 2023, deve ser discutido pelos políticos os Marco Energético e Marco Legal do Transporte Público. Entre as conclusões do estudo, notou-se que há conhecimento sobre o tema, mas o governo federal precisa incorporá-lo em políticas estratégicas. Leia o estudo.
Neste ano eleitoral, o documento identificou 3.950 iniciativas no Congresso Nacional e 3.387 registros na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, desde 2005. O trabalho selecionou 98 para repercutir, mais afinadas ao propósito de unir justiça climática com transição energética. Ele foi desenvolvido entre novembro de 2021 a maio de 2022. A pesquisa buscou conhecer o posicionamento e as ações que estão sendo implementadas pelo governo federal, governos municipais, operadores de transporte público, indústria de equipamentos de transporte público e Congresso Nacional. Os levantamentos resultaram em um relatório específico sobre cada segmento, permitindo a consolidação de um texto final sobre o tema.
Crise no transporte público coletivo
O estudo traz o contexto da atual crise do transporte público coletivo, ocasionada pelo aumento de custos, esgotamento do modelo de financiamento baseado na tarifa paga pelo usuário e queda acentuada de passageiros. Essa crise pode levar à sua desestruturação enquanto serviço público essencial por meio de sua desregulação econômica. Além disso, soma-se à crise a necessidade de descarbonização do transporte público coletivo. “Não dá para abstrair que a busca pela transição energética justa aparece em um momento de crise do modelo de financiamento e do transporte público em geral. Se continuar assim, podemos ter a desestruturação do setor”, alerta Boareto.
Para auxiliar contra uma desestruturação, conceitualmente o trabalho propõe um novo modelo de financiamento dos serviços, por meio do qual a sociedade contribui para custear a oferta de uma rede disponibilizada para toda a sociedade. Esse novo modelo deve, inclusive, garantir que a transição energética seja justa. Isto é, que seu custo não recaia sobre as parcelas de baixa renda da população. “É como o elevador de um prédio. Todos contribuem para custeá-lo, independente do uso que cada um faz dele”, compara o pesquisador. “O custo da transição energética não pode cair sobre o usuário do transporte público, que ocupa menos espaço na via e já emite menos poluentes quando comparado a quem usa carro”, completa.
Durante a pesquisa, foram analisadas iniciativas de cidades e é possível observar que, apesar dos esforços e inovações, é necessário apoio, principalmente por parte do governo federal. As cidades buscam alternativas, mas enfrentam barreiras e precisam de suporte. A identificação de apenas onze municípios que puderam ser relatados com cases na área mostra que ainda há muitas dificuldades. O governo federal limita o investimento em infraestrutura e os instrumentos de financiamento existentes são voltados prioritariamente para viabilizar projetos da iniciativa privada. São necessárias novas visões e formas de atuação do governo.
Congresso Nacional
Também foi feito um levantamento das iniciativas de legislação no Congresso Nacional que podem ser associadas à transição energética. Apenas um projeto trata diretamente de transição energética no transporte público coletivo. A abordagem é prioritária para o transporte individual, o que traz o risco de uma modernização tecnológica conservadora.
Atualmente, o projeto de lei 3274/2021 busca atualizar o marco legal da Política Nacional de Mobilidade Urbana para reestruturar o setor, mas ele deixa de fora a transição energética. O estudo seleciona pontos que devem ser incluídos no projeto, para que ele englobe um transporte público coletivo mais sustentável financeiramente, socialmente e ambientalmente como: adoção de novos conceitos de contratação e remuneração, com pagamento associado ao cumprimento de itens de qualidade dos serviços; desenho de uma rede de transporte única, intermodal e integrada, com subsídio cruzado entre serviços superavitários; mudar a natureza dos serviços de aplicativos para não serem considerados atividade decorrente da liberdade econômica, pois afetam um setor regulado da economia.
Também vale destacar que o projeto de lei 2461/2021, originário no Senado, cria o Programa de Modernização Veicular e Mobilidade Elétrica (MoVE Brasil). Seu principal objetivo é “de apoiar a transição do País a um transporte de baixíssima emissão de poluentes”. Ele busca medidas de incentivo à transição para um transporte não poluente e a instalação de estações de recarga de veículos elétricos. Esse projeto é único que relata medidas para o transporte público coletivo operado por ônibus.
Com relaçaõ às iniciativas do governo federal, as ações e os instrumentos de financiamento focam em viabilizar projetos privados. “Eles são importantes, mas não resolvem o déficit de investimentos necessários em infraestrutura nas cidades médias e grandes”, conta Boareto.
De modo geral, o estudo mostra que o país conta com conhecimento suficiente para promover a descarbonização, mas somente a mudança de curso possibilitará a viabilização de uma transição energética justa. O foco deve ser garantir o transporte público como direito social. Na crise, nasce a oportunidade para a reversão do atual modelo de mobilidade, baseado no uso intensivo do transporte individual, ao mesmo tempo que possibilita a superação da crise de financiamento do setor, melhora sua qualidade e promove a expansão do uso do transporte público coletivo, com destaque aos grandes centros urbanos.
O que é Transição Energética Justa
“É o processo de substituição de fontes de energia poluentes que considere o papel estruturador e as externalidades positivas do transporte público, tornando o sistema de mobilidade urbana ambientalmente apropriado e socialmente mais justo”. Com relação ao Transporte Público Coletivo, “o processo de substituição de fonte de energia fóssil por renovável sem que o eventual aumento de custo recaia sobre os seus usuários”.