Oito dos dez municípios que mais emitem gases de efeito estufa no país estão na Amazônia, onde o desmatamento é a principal fonte de emissões. Altamira e São Félix do Xingu, no Pará, lideram a lista, seguidos por Porto Velho (RO) e Lábrea (AM). São Paulo e Rio de Janeiro são os únicos de fora da Amazônia entre os campeões de emissões, na quinta e oitava posições, respectivamente. Em 2019, os dez municípios emitiram juntos 198 milhões de toneladas brutas de dióxido de carbono equivalente (MtCO2e), mais do que todas as emissões de países como Peru e Holanda. É o que revela a segunda edição do SEEG Municípios, uma iniciativa do Observatório do Clima.
O SEEG calculou as emissões de gases de efeito estufa de todos os 5.570 municípios brasileiros. O levantamento cobre duas décadas (2000-2019) e inclui mais de uma centena de fontes de emissão nos setores de energia, indústria, agropecuária, tratamento de resíduos e mudança de uso da terra e florestas. As emissões em Altamira (PA), líder do ranking, atingiram 35,2 MtCO2e em 2019. Se fosse um país, o município do Pará seria o 108º do mundo em emissões, à frente de Suécia e Noruega, segundo dados do CAIT, o ranking global de emissões do World Resources Institute.
O estudo mostra que, na última década, as emissões na Amazônia se concentraram no sudoeste do Pará, em Porto Velho (RO) e Lábrea (AM). A maior parte dessas emissões é resultado do desmatamento — segundo o MapBiomas Alerta, 98% do desmatamento na região tem indícios de ilegalidade. A Amazônia encabeça o ranking de emissões per capita. Dos dez municípios com mais emissões por habitante, 6 são de Mato Grosso, 3 do Pará e 1 do Amazonas. Em Novo Progresso (PA), por exemplo, epicentro do desmatamento no eixo da BR-163, foi registrada a décima maior emissão por habitante do país: 580 toneladas de CO2e por ano, ou seja, 14 vezes a emissão de um cidadão do Qatar, o país com maior quantidade de carbono per capita do planeta. É como se cada morador de Novo Progresso tivesse mais de 500 carros rodando 20 km por dia com gasolina. A média global é de 7 toneladas de CO2e ao ano por habitante.
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Por outro lado, municípios amazônicos extensos com muitas áreas protegidas também têm grandes remoções de carbono — quando subtraídas as remoções das emissões totais, chegase às chamadas emissões líquidas. O campeão de remoções é Altamira, o maior município do país em área, que teve remoções de 25,7 MtCO2e em 2019. O levantamento destaca a importância de criar e manter Unidades de Conservação (UC) e Terras Indígenas (TI).
Emissões x PIB Agropecuário
Em 2019, o setor agropecuário foi o maior emissor em 67% dos municípios brasileiros, com destaque para a fonte gado de corte.
Nesta edição, o SEEG cruzou dados de emissão com o valor do PIB Agropecuário nos municípios, levantado pelo IBGE. O levantamento mostra que os dez municípios mais emissores em 2019 não estão entre aqueles com maior PIB Agropecuário. Ou seja: as emissões não resultam em ganhos econômicos para os municípios.
Os dez com maior PIB Agropecuário possuem o perfil de emissões e de uso do solo mais relacionados com atividades de produção agrícola, diferentemente dos dez que mais emitem, que têm atividades relacionadas com a pecuária. Isso demonstra como as escolhas de uso da terra influenciam as emissões nos municípios. O levantamento também aponta que, de 2000 a 2019, entre os dez municípios mais emissores, houve aumento de 2,13 milhões de hectares de pastagem (em vez do aproveitamento de áreas já abertas). Mais da metade (56%) encontra-se em algum estágio de degradação. Isso indica o potencial de recuperação dessas áreas, que podem se tornar mais produtivas e contribuir para a remoção de carbono, quando bem manejadas e sem a abertura de novos pastos.
Dos dez municípios que mais emitiram no setor em 2019, a maior parte das emissões foi gerada no bioma Amazônia (64%), seguido por Pantanal (18%), Cerrado (11%) e Pampa (7%). No Pantanal, apenas dois municípios, Corumbá (MS) e Cáceres (MT), são responsáveis, juntos, por 49% das emissões no bioma. Os municípios que mais emitiram no setor são os que apresentam os maiores rebanhos bovinos (corte e leite): o processo de digestão dos animais — a chamada fermentação entérica — maior responsável pelas emissões de metano (CH₄), principal gás de efeito estufa do setor.
São Félix do Xingu, no Pará, que tem o maior rebanho do país, foi o que mais emitiu em 2019, totalizando 4,5 MtCO2e, seguido por Corumbá (MS) e Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), com 3,6 MtCO2e e 2,4 MtCO2e, respectivamente.
Energia
O setor de energia, em especial por causa dos transportes, se destaca como maior fonte de emissão nas grandes cidades, principalmente as capitais.
São Paulo lidera as emissões, com 11,9 MtCO2e, seguido por Manaus (7,5 MtCO2e) e Rio de Janeiro (5,6 MtCO2e). Florianópolis é a capital do carro: apresenta a maior taxa por habitante de emissões derivadas do transporte rodoviário individual (774 kg de CO2e), seguida por Campo Grande (665 kg de CO2e) e Brasília (636 kg de CO2e). São Paulo tem mais carros circulando, mas apresenta também grande malha de transporte coletivo (dois terços da população paulistana usam transporte coletivo ou se deslocam a pé), o que reduz as emissões per capita. Município com o maior número de termelétricas no país, Manaus é o que mais emite no recorte por energia elétrica, com 5,02 MtCO2e.
Levantamento do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente) mostra que em Macaé (RJ), uma das cidades onde está prevista a expansão de termelétricas, a qualidade do ar já é inadequada, com concentração de poluentes como o ozônio acima do nível recomendado pela OMS.
O estudo também mostra que Cuiabá é a cidade com maior capacidade instalada para geração de energia solar no país, seguida por Brasília. No caso de processos industriais, o município capixaba de Serra, que abriga uma siderúrgica, lidera as emissões que puderam ser alocadas nos municípios, com 9 MtCO2e, seguido por Ipatinga (MG), com 4,5 MtCO2e.
Resíduos
O setor de resíduos, embora represente apenas 5% das emissões brutas do Brasil, é uma fonte de emissões importante para as cidades — especialmente as mais populosas.
O Rio lidera esse setor, com 5,5 MtCO2e, seguido por São Paulo, que, apesar de ter quase o dobro da população, emite 4,6 MtCO2e, devido ao aproveitamento energético do biogás que é gerado em aterros sanitários. “Esta segunda edição dos dados de emissões dos municípios brasileiros consolida o entendimento da dinâmica das emissões de gases de efeito estufa no nível local no Brasil e o enorme desafio que será reverter as emissões de forma que sejam negativas nas próximas décadas. Sem os municípios e políticas locais de redução de emissões não há esperança para a meta de limitar o aquecimento global em 1,5oC até o final do século”, afirma Tasso Azevedo, coordenador geral do SEEG.
Os dados completos estão disponíveis na plataforma seeg.eco.br. A seguir, destaques do SEEG Municípios.
Setor de mudança de uso da terra e florestas
Os dez maiores emissores (todos da Amazônia) representam 21% das emissões nacionais do setor.
A região Norte é responsável por 60% das emissões brutas nacionais do setor, mas é a que apresenta maior queda por conta das remoções em áreas protegidas. A região Centro-Oeste é responsável por 21% das emissões brutas nacionais do setor, mas lidera o ranking em emissão líquida com 27 MtCO2e a mais que a região Norte e é responsável por 49% das emissões líquidas no setor. A queima de resíduos florestais representa 8% das emissões brutas nacionais do setor. A maior parte das emissões é proveniente do desmatamento de vegetação nativa primária em todas as regiões do país.
A Amazônia do Maranhão e a região do Matopiba se destacam no Nordeste: os 10+ representam 18% das emissões brutas da região. Matopiba é a região de expansão da agropecuária no Cerrado (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). A perda de campos sulinos no bioma Pampa é responsável pela maior parte das emissões brutas na região Sul.
Setor de agropecuária
Em 2019, o setor foi a maior fonte emissora de gases de efeito estufa em 67% dos municípios
brasileiros.
Dos dez municípios que mais emitiram em 2019, sete estão na Amazônia. A fonte mais emissora no setor foi o gado de corte: isso ocorreu em 89% dos municípios. Dos dez municípios que mais emitiram em 2019, a maior parte das emissões foi gerada no bioma Amazônia (64%), seguido por Pantanal (18%), Cerrado (11%) e Pampa (7%). Apenas dois municípios, Corumbá (MS) e Cáceres (MT), representam sozinhos 49% das emissões no bioma do Pantanal.
São Félix do Xingu (PA) foi o que mais emitiu em 2019, totalizando 4,51 MtCO2e. Os municípios que mais emitem no setor agropecuário são os que apresentam os maiores rebanhos bovinos (corte e leite). Houve aumento da área de pastagem entre os mais emissores. No quesito emissões acumuladas no período 2000-2019, o município de Corumbá (MS) é o primeiro do ranking, com total acumulado de 74,5 MtCO2e, seguido por São Félix do Xingu (PA) e Ribas do Rio Pardo (MS), com 73,7 e 49,9 MtCO2e, respectivamente.
Os dez municípios que mais emitiram no setor em 2019 não estão entre aqueles com maior valor de PIB Agropecuário. Os dez municípios com maior PIB Agropecuário apresentam emissões mais relacionadas com a agricultura, diferentemente dos dez que mais emitem, com atividades de pecuária. Sinal do potencial para produzir com baixas emissões nesses locais.
Setor de energia e processos industriais
São Paulo lidera as emissões no setor de energia com 11,9 MtCO2e, seguido por Manaus (7,5 MtCO2e) e Rio de Janeiro (5,6 MtCO2e).
Municípios mais populosos, como as capitais, têm no setor de energia sua principal fonte de emissão, sobretudo devido ao consumo de combustíveis fósseis nos transportes. Florianópolis apresenta a maior taxa de emissões por habitante derivadas do transporte rodoviário individual (774 kg de CO2e), seguida por Campo Grande (665 kg de CO2e) e Brasília (636 kg de CO2e).
Município com o maior número de termelétricas no país (a gás e a diesel), Manaus é o que mais emite no subsetor de geração de energia elétrica. Cuiabá é a cidade com maior capacidade instalada para geração de energia solar no país, seguida por Brasília. Em Macaé (RJ), uma das cidades onde está prevista a expansão de termelétricas, a qualidade do ar é inadequada, com concentração de poluentes como ozônio acima do nível recomendado pela OMS.
O setor de processos industriais é marcado pela escassez de dados de atividades que permitam estimativas mais precisas de suas emissões associadas. Serra (ES), que abriga uma siderúrgica, lidera as emissões que puderam ser alocadas nos municípios neste setor, com 9 MtCO2e, seguido por Ipatinga (MG), com 4,5 MtCO2e.
Setor de resíduos
As emissões do setor se concentram em capitais e cidades mais populosas: 50 municípios contribuem com 38% das emissões (são aqueles com emissão maior do que 200 mil toneladas de CO2e). RJ e SP lideram o ranking.
A principal fonte de emissão no setor é a disposição final de resíduos sólidos em aterros sanitários, “controlados” ou lixões: foram 56 MtCO2e em 2019. Rio de Janeiro lidera disparado o ranking, com 701 kg de CO2e por habitante, seguido por Fortaleza (530 kg de CO2e), Manaus (464 kg de CO2e) e Recife (453 kg de CO2e). No país, a emissão média per capita foi de 271 kg de CO2e em 2019.
Uma importante medida para a redução de emissões no setor é a captura do biogás gerado em aterros sanitários, No Brasil, de acordo com projetos reportados na plataforma de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), apenas 49 aterros sanitários apresentam recuperação de metano — responsável pela captura de 418 mil toneladas de CH4 (11,7 MtCO2e), que representa cerca de 12% das emissões totais do setor.
Vinte dois municípios apresentam emissões negativas no setor: isso ocorre porque a estimativa de emissão é realizada com base na quantidade de resíduos gerados em cada cidade, enquanto a recuperação de metano (seja por meio de queima ou aproveitamento energético em aterros sanitários) é baseada na localização do aterro. No geral, são municípios que integram regiões metropolitanas e recuperam o metano proveniente da disposição final de municípios vizinhos.
Outro subsetor de destaque no setor de resíduos é o de tratamento de efluentes líquidos domésticos, com a emissão de 25 MtCO2e. Assim como apresentado para a disposição final, as cidades mais populosas também são as que mais contribuem para as emissões neste subsetor. Destaca-se que, apesar de Fortaleza, Manaus, Recife e Belém apresentarem uma contribuição significativa nas emissões pelo tratamento de efluentes domésticos (4ª, 6ª, 9ª e 11ª posição no ranking, respectivamente), essas cidades apresentam baixa taxa de acesso aos serviços de saneamento.
Outro aspecto importante em termos de redução é a recuperação de metano em estações de tratamento de esgoto: houve destruição ou aproveitamento de cerca de 94 mil toneladas de CH4, com destaque para Curitiba, Brasília, Belo Horizonte, Campinas, Uberlândia, Recife e Londrina, que investem em rotas de tratamento por meio de reatores anaeróbios.
Sobre o SEEG: O Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa foi criado em 2012 para atender a uma determinação da PNMC (Política Nacional de Mudanças Climáticas). O decreto que regulamenta a PNMC estabeleceu que o país deveria produzir estimativas anuais de emissão, de forma a acompanhar a execução da política. O governo, porém, não as produziu. Os inventários nacionais, instrumentos fundamentais para conhecer em detalhe o perfil de emissões do país, são publicados apenas de cinco em cinco anos.
O SEEG (seeg.eco.br) foi a primeira iniciativa nacional de produção de estimativas anuais para toda a economia. Ele foi incorporado ao Observatório do Clima em 2013. Hoje, é uma das maiores bases de dados nacionais sobre emissões de gases estufa do mundo, compreendendo as emissões brasileiras de cinco setores (Agropecuária, Energia, Mudança de Uso da Terra, Processos Industriais e Resíduos). As estimativas são geradas segundo as diretrizes do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), com base nos Inventários Brasileiros de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).
Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com mais de 70 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013 o OC publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil.