Termelétricas contratadas no leilão de energia referente à privatização da Eletrobras devem gerar aumento de emissões no estado do Amazonas

Falta de estudos de impacto ambiental dos projetos vencedores é preocupante

O Leilão de Reserva de Capacidade foi realizado nesta sexta, dia 30 de setembro, para a contratação de energia a ser entregue ao Sistema Interligado Nacional a partir do final de 2026. De um total de 33 termelétricas a gás natural ofertadas, foram contratados três projetos totalizando 753,8 MW. Os contratos terão duração de 15 anos, a um preço de R$ 440,00/MWh. O leilão e os projetos inscritos foram analisados no Boletim Pré-Leilão do IEMA, divulgado dia 28 de setembro. 

Em relação ao preço final da energia contratada, para efeito de comparação, o preço dessas térmicas  é mais do que o triplo do preço médio da energia contratada de projetos eólicos e solares no último leilão A-4, realizado em maio deste ano. Esses preços de energia podem causar aumento da tarifa de eletricidade quando as termelétricas entrarem em operação.

É importante lembrar que o leilão foi determinado a partir da Lei 14.182/2021, referente à privatização da Eletrobras, e não se alinhou ao planejamento do setor elétrico. Por conta da baixa demanda de eletricidade atual, os demais leilões previstos para este semestre foram cancelados. Mesmo assim, o certame de hoje foi mantido. O resultado deste leilão confirma a tendência de baixa: a contratação de pouco mais de um terço dos 2 GW previstos.

Se, por um lado não foram contratadas usinas ofertadas no Piauí, que apresentavam desafios pela falta de infraestrutura de gasodutos, perspectiva de uso de custos públicos para a construção de gasodutos e criticidade no uso de água, por outro, as usinas contratadas no Amazonas apresentam deficiências em termos de informações de impactos ambientais.

Riscos ambientais e disponibilidade de informações

A geração de eletricidade por termelétricas produz impactos ambientais que devem ser ponderados pelo setor elétrico e pela sociedade, tais como  emissões de gases de efeito estufa (GEE), poluição atmosférica e pressão sobre recursos hídricos. A construção de qualquer nova termelétrica deve avaliar todos esses problemas, tanto do ponto de vista de uma nova usina quanto em relação ao efeito cumulativo desse empreendimento operando juntamente com outros já existentes.

No Brasil, a aferição desses impactos se dá no processo de expedição de licenças ambientais. Nesse sentido, é preocupante que o licenciamento das usinas concorrentes neste leilão tenha sido acelerado para garantir que todas tivessem ao menos a licença prévia a tempo de serem inscritas no certame, de acordo com exigências da Aneel. Para as três usinas vencedoras da disputa, o intervalo de tempo decorrido entre o início do processo de licenciamento e a expedição da licença prévia foi de no máximo três meses, um prazo menor do que a média geral observada.

Veja as usinas termelétricas contratadas:

Usina vencedoraPotênciaEstado do licenciamentoEstudo de Impacto AmbientalInício do processo de licenciamentoData de emissão da licença prévia
Azulão II295,4 MWLicença prévia expedidaNão encontrado03/05/202227/07/2022
Azulão IV295,4 MWLicença prévia expedidaNão encontrado07/06/202227/07/2022
Manaus I162,9 MWLicença prévia expedidaNão encontrado11/08/202230/08/2022

Fonte: Consulta às Licenças Ambientais Concedidas pelo IPAAM (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) – Disponível em: <http://www.ipaam.am.gov.br/transparencia-tecnica/>.

Aumenta a preocupação o fato de ainda não terem sido publicados os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e os Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA) dos empreendimentos recém-contratados. De acordo com as licenças prévias expedidas, os respectivos EIA/RIMA só serão exigidos na próxima etapa de seus licenciamentos. Como é improvável que as contratações de um leilão sejam revogadas após sua concretização, independentemente do que venham a apontar futuros estudos, o ideal é que só se sagrem vencedoras usinas que já tiveram seus impactos adequadamente estudados com EIA/RIMA disponíveis e submetidos a um processo de revisão pública, o que não aconteceu neste último certame.

Mesmo com poucas informações disponíveis, é sabido que a contratação de termelétricas a gás natural afasta o setor elétrico brasileiro dos esforços de descarbonização. Estima-se que as plantas Azulão II e Azulão IV poderão emitir, cada uma, cerca de 887 mil toneladas de CO2e anualmente, enquanto a Manaus I emitirá cerca de 601 mil toneladas por ano. Esses números as posicionariam na frente, respectivamente, de outras 57 e 50 usinas no ranking de emissões das termelétricas de serviço público movidas a combustível fóssil de 2020 (de um total de 72), o que mostra a relevância dessas novas emissões em relação ao setor elétrico brasileiro – sobretudo em um cenário em que a construção de novas térmicas não parece ser necessária frente à possibilidade de expansão da geração por fontes renováveis não hídricas.